A CONSTRUÇÃO DE SABERES PEDAGÓGICOS: DO COTIDIANO AO
COTIDIANO ESCOLAR
BUILDING KNOWLEDGE TEACHING : THE EVERYDAY TO SCHOOL EVERYDAY
José Ribamar Tôrres Rodrigues
Doutor em Educação pela USP
Mestre em Educação pela PUC/SP
Estágio em Formação de Professores
no IUFM de DOUAI/ França
Estágio em formação de
Professores em CUBA
Ex-Membro do Conselho Estadual de
Educação/PI
Coordenador do Fórum Estadual de
Educação
Membro do Banco de Avaliadores do
MEC/INEP.
José Ribamar Rodrigues Tôrres
PhD in Education from USP
Master in Education from PUC / SP
Internship in Teacher Training in the IUFM of DOUAI / France
Stage for Teacher training in Cuba
Former member of the State Board of Education / PI
Former Coordinator of the State Education Forum
Member of Appraisers Bank MEC / INEP .
Este texto objetiva discutir categorias teóricas
como habitus (Pierre Bourdieu),
saberes (Maurice Tardif; Clermont Gauthier), cotidiano (Agnes Heller), dentre
outros, aplicáveis à análise e compreensão de práticas pedagógicas de docentes,
especialmente professores leigos rurais, compreendidos como aqueles que não tem
habilitação legal, tendo a sala de aula como espaço social onde ocorrem
processos de construção e reconstrução de saberes e saberes pedagógicos. São
mais de duzentos mil no Brasil e em todos os níveis da Educação Básica
(Infantil, Fundamental e Médio).
This paper aims to discuss theoretical categories as habitus (Pierre Bourdieu ) , knowledge ( Maurice Tardif , Clermont Gauthier ) , everyday ( Agnes Heller ) , among others, applicable to the analysis and understanding of pedagogical practices of teachers , especially rural lay teachers , understood as those who have no qualifications cool, taking the classroom as a social space where there are processes of construction and reconstruction of knowledge and pedagogical knowledge. More than two hundred thousand in Brazil and at all levels of basic education (kindergarten , primary and secondary ).
Cet article vise à discuter des catégories théoriques comme habitus ( Pierre Bourdieu ) , connaissances ( Maurice Tardif , Clermont Gauthier ) , tous les jours ( Agnes Heller ) , entre autres , applicable à l'analyse et la compréhension des pratiques pédagogiques des enseignants, des professeurs laïcs en particulier rurales , comprise comme ceux qui ont pas de qualifications cool, en prenant la classe comme un espace social où il ya des processus de construction et de reconstruction de la connaissance et de la connaissance pédagogique. Plus de deux cent mille au Brésil et à tous les niveaux de l'éducation de base ( maternelle , primaire et secondaire )
Este trabajo tiene como objetivo discutir categorías teóricas como habitus ( Pierre Bourdieu ) , el conocimiento (Maurice Tardif , Clermont Gauthier ) , todos los días ( Agnes Heller ), entre otros , aplicable al análisis y la comprensión de las prácticas pedagógicas de los maestros, los profesores seglares , especialmente rurales , entendida como aquellos que no tienen las calificaciones fresco, tomar el aula como un espacio social donde hay procesos de construcción y reconstrucción del conocimiento y el conocimiento pedagógico. Más de doscientos mil en Brasil y en todos los niveles de la educación básica ( preescolar, primaria y secundaria ).
Questo lavoro si propone di discutere categorie teoriche come habitus ( Pierre Bourdieu ) , conoscenza ( Maurice Tardif , Clermont Gauthier ) , tutti i giorni (Agnes Heller ) , tra gli altri , applicabile per l'analisi e la comprensione delle pratiche pedagogiche degli insegnanti , insegnanti laici soprattutto rurali , intesa come coloro che non hanno qualifiche fresco , prendendo la classe come uno spazio sociale dove ci sono processi di costruzione e ricostruzione del sapere e della conoscenza pedagogica. Più di duecentomila in Brasile ea tutti i livelli di istruzione elementare ( scuola dell'infanzia , primaria e secondaria )
Dieses Papier zielt darauf ab, theoretische Kategorien Habitus (Pierre Bourdieu ) , Wissen ( Maurice Tardif , Clermont Gauthier ) , jeden Tag (Agnes Heller) diskutieren unter anderem auf die Analyse und das Verständnis der pädagogischen Praktiken der Lehrer , vor allem ländlichen Laienlehrer, verstanden als diejenigen, die keine Qualifikationen verfügen cool, unter den Klassenraum als sozialen Raum , wo gibt es Prozesse der Konstruktion und Rekonstruktion von Wissen und pädagogisches Wissen. Mehr als zweihunderttausend in Brasilien und auf allen Ebenen der Grundbildung (Kindergarten, Primar- und Sekundarstufe)
Эта статья является обсуждение теоретических категорий габитус ( Бурдье ) , знание ( Tardif , Готье ) , повседневной ( Хеллер ), среди других, применимы к анализу и пониманию педагогической практики учителей , особенно сельских народных учителей , понимается как те, кто не имеет квалификации круто , принимая класс в социальном пространстве , где происходят процессы строительства и реконструкции знаний и педагогических знаний . Более двухсот тысяч в Бразилии и на всех уровнях основного образования ( детский сад, первичный и вторичный).
Eta stat'ya yavlyayetsya obsuzhdeniye teoreticheskikh kategoriy gabitus ( Burd'ye ) , znaniye ( Tardif , Got'ye ) , povsednevnoy ( Kheller ), sredi drugikh, primenimy k analizu i ponimaniyu pedagogicheskoy praktiki uchiteley , osobenno sel'skikh narodnykh uchiteley , ponimayetsya kak te, kto ne imeyet kvalifikatsii kruto , prinimaya klass v sotsial'nom prostranstve , gde proiskhodyat protsessy stroitel'stva i rekonstruktsii znaniy i pedagogicheskikh znaniy. Boleye dvukhsot tysyach v Brazilii i na vsekh urovnyakh osnovnogo obrazovaniya ( detskiy sad, pervichnyy i vtorichnyy).
A sala de aula, como
espaço social, representa um campo plural e permanente de construção de saberes
a partir de interações e representações que constituem as estruturas de
produção de saberes. As interações
incorporam significados gerados pelas representações e, estas, por sua vez, são
reelaboradas pelas novas interações, criando novos significados, mediatizados
pelo discurso de sujeitos situados em um determinado horizonte social, no caso,
o espaço geográfico, da sala de aula, da escola e da sociedade.
Mais recentemente, vários
estudos utilizam as abordagens do cotidiano, baseados principalmente nas
teorias de Henri Lefebvre, György Lukács, Karel Kosik (1967) e Agnes Heller (1977), e
nas pesquisas de Maria Helena Souza Patto (1991), Elsie Rockwell y Justa Ezpeleta
(1983) bem como nas contribuições da hermenêutica e da epistemologia genética.
O cotidiano da sala de
aula do professor leigo apresenta singularidades em relação àquilo que se passa
em outros espaços educacionais. Tais singularidades correspondem a uma rede de
relações do cotidiano que representam uma tradução reelaborada das mesmas em
razão de uma determinada visão de classe e da história dos sujeitos que ali
interagem.
As sociologias clássicas
totalizantes como o positivismo, o marxismo e o funcionalismo no intuito de
racionalizar a sistematização de macromodelos e macrossistemas sobre os
aspectos sociais, ignoravam a dimensão dos eventos do cotidiano no plano
sócio-econômico global, tal qual se refere Laura Bovone, (1996). É no espaço
cotidiano que os agentes sociais estabelecem suas relações e constróem seus
significados, que por sua vez justificam suas ações. Este processo de relações
e significados representam as condições iniciais de elaboração e reelaboração
de saberes sobre si mesmos, sobre sua prática e sobre a realidade onde vivem.
Daí, tornar-se necessário conhecer os mecanismos pelos quais os sujeitos são
motivados a se movimentar entre valores e realidade ou entre subjetivismo e
objetivismo.
Diversos trabalhos
enfatizam a idéia de mecanismos de mediação na atividade do sujeito frente à
realidade, vinculadas a diferentes correntes teóricas. O cotidiano escolar, de certa forma, sofre
limitação das normas institucionais e sociais, mas alguns eventos que ocorrem
ali demonstram uma independência relativa em relação a essas conformações,
tendo em vista que tais eventos, gestados por subgrupos, assumem um sentido
particular. Suas ações não parecem assim, tão óbvias para os demais elementos
do campo. Para Bourdieu a noção de habitus
como “estruturas estruturadas / estruturantes” permite a compreensão da geração
de práticas e representações dos sujeitos na sua relação com a estrutura
social.
Estudar as práticas
pedagógicas do cotidiano escolar e da sala de aula de professores leigos é
procurar compreender dimensões e sentidos muito particulares das ações que
ocorrem no contexto genérico social e educacional e como elas se articulam com
a realidade mais ampla. Com relação a isso, Belmira Bueno diz que.
“... é necessário se
ultrapassar o registro oficial para se chegar a uma história que, não
documentada, repousa noutro lugar: nas práticas e nas concepções dos agentes.
Nesta história acumulada na memória e no corpo dos que vivem, confluem
sociedade e Estado, não de modo abstrato, mas com a concretude de indivíduos
que se apropriam das prescrições características das instituições
burocratizadas para materializar a instituição escolar no dia a
dia".(p.43).
Desse modo, as
características geográficas, a história dos sujeitos e a posição que ocupam na
hierarquia social do lugar onde se situa a escola, produzem reflexos nas
condições sócio econômicas, modos de ser, nas percepções sobre escola, trabalho
e vida de professores leigos e alunos. O cotidiano tem como principal
característica à espontaneidade embora “nem toda a atividade cotidiana seja
espontânea”, (Agnes Heller, 1987, p.300). Isso quer dizer que ele não é de todo
imprevisível. Nas suas relações, embora os sujeitos partam de certas regras e
posições sociais e institucionais, de tempo e espaço, previamente determinados,
contrapõem-se a elas através de saberes, habilidades e valores, inseridos nas
suas representações para a construção de novas relações que vão atender a
expectativas pessoais, institucionais e sociais que antes de imprevisíveis são
contraditórias, mas como mecanismo de defesa só deixam revelarem-se os
resultados que assegurem o funcionamento coletivo que os legitima como grupo e
como instituição.
Nesse sentido, Antonio Chizzotti
(1992) defende que.
É preciso (...) investigar
os rituais rotineiros que estão cristalizados na vida diária, esse movimento
mecânico das ações que acabam constituindo o dia-a-dia, porque é neles que
vamos encontrar a racionalidade subjacente da vida cotidiana das pessoas.
Aquilo que se considera banal, inútil, desnecessário, rotineiro, absurdo (...)
são esses atos triviais e banais que servem de base para fazer uma descrição
elaborada do que as pessoas precisam, falam e compreendem (...) outro viés é
considerar o cotidiano como campo residual da vida. (...) Se o cotidiano fica
proscrito da vida ou considerado como rescaldo dela, fica também desterrado de
todos os atos deliberados da vida e de toda a impossibilidade de impregnarmos
de uma vontade consciente esses atos. E os sujeitos que são vistos nesse
cotidiano estão no meio pobre, onde, como atores sociais, se tornam invisíveis
e suas práticas inconseqüentes “(p. 89-95)”.
O cotidiano das práticas
pedagógicas de professores leigos e alunos revelam uma característica
multicultural e multidisciplinar, ocupando espaços e tempos de ensino e
aprendizagem diferentes dos espaços e tempos medidos e cronometrados pelo
sistema oficial que em oposição ao cotidiano onde a lógica do tempo da
aprendizagem e da ação docente têm uma dinâmica própria. Neste aspecto, Henri Lefebvre (1961), diz que
há tempo social e tempos sociais distintos dos tempos biológicos, psicológicos,
físicos e um espaço social diferente do espaço geométrico, físico e biológico e
do espaço cotidiano que apresenta quatro dimensões distintas daquelas definidas
por matemáticos e físicos: o tempo realizado, o previsto, o incerto e o
imprevisível.
As práticas pedagógicas
de professores leigos em sala de aula se definem a partir de um espaço e tempo
de vida cotidianos onde os sujeitos percebem o caráter cíclico de suas
práticas, mas não percebem os diferentes tempos e espaços, geradores da
história que presidem e dão diferentes sentidos a essas rotinas.
Na obra de Pierre Bourdieu, analisada por Renato Ortiz (1893, p. 8), são
evidenciadas três premissas epistemológicas, quais sejam, o conhecimento
praxeológico, o conceito de campo e a noção de habitus. Interessa, neste texto, a abordagem que faz Bourdieu sobre
a noção de habitus como mediação
entre o agente social e a sociedade.
Para Renato Ortiz,
(1983), Pierre Bourdieu enfatiza a importância de se estudar o modo de
estruturação do habitus, através das
instituições de socialização dos agentes que se entende, sejam os grupos
sociais: família, religião, trabalho, escola, etc.
Para estudar um conjunto
de saberes, habilidade e valores da estrutura da prática pedagógica do
professor leigo no trabalho de sala de aula, o conceito de habitus, enquanto conceito geral, parece não ser o suficiente
bastante para desvendar as “tramas” das relações particulares de habitus construídos na dinâmica das
interações e representações do cotidiano escolar, caracterizados pelo estilo
pessoal que Bourdieu chama de “desvio codificado em relação ao estilo de uma
época, uma classe ou um grupo social” ou “variante estrutural do habitus”. Tentando-se compreender estes habitus particulares da prática
pedagógica do professor leigo, agrega-se, aqui, a noção de habitus pedagógico que surgiu da reflexão do conceito de habitus de Bourdieu. Desse modo, o habitus é particular e genérico por
estar em toda atividade humana e em todo homem e o habitus pedagógico é, também, particular e genérico por estar em
toda atividade educativa, especialmente na formação de professores e na
atividade pedagógica de cada professor. Nesse sentido, as práticas pedagógicas
do professor leigo têm, simultaneamente, um caráter particular e genérico
porque se estruturam a partir de habitus
por eles apropriados na trajetória familiar, estudantil, profissional,
exteriorizados na sala de aula, que se constitui num espaço privilegiado, onde
fragmentos de cotidiano e de história oficial tecem-se para a construção de uma
história particular.
Assim, considerando-se a
sala de aula com um locus de relações
de força, os habitus pedagógicos
são heterogêneos, em escala e sentido, assumindo funções e significados
heterogêneos neste espaço de luta ( escola versus cotidiano) para fazer
prevalecer um modo de fazer. O habitus,
no sentido empregado por Bourdieu, parece não poder ser, simplesmente,
transplantado para a situação das práticas do cotidiano escolar como se fosse
possível aplicá-lo a todos os eventos que ali ocorrem e como se todos se dessem
a nível genérico, sem que particularidades específicas estivessem na natureza
destas práticas docentes.
A teoria do conhecimento
praxeológico de Pierre Bourdieu parece não estar preocupada como mudar as
estruturas sociais, mas como os sujeitos se adequam a elas. Parece acreditar
que as ações dos indivíduos são produtos de fatores sociais que influem sobre e
através deles, ignorando os fatores psicológicos contidos nas ações sociais
elaboradas por processo de interpretações dos sujeitos, como defendem os
interacionistas. Em conseqüência, as
premissas sobre transformação social aparecem, apenas implícitas ou fugazes
(Renato Ortiz, 1994). Embora não desenvolva uma teoria da transformação social,
o conceito de habitus não se reduz à
apropriação de estruturas anteriores para serem aplicadas no cotidiano do
indivíduo; não se refere a um sentido “repetitivo, mecânico e automático” como
explica o próprio autor (1983, p. 105), onde expõe que os habitus tendem a uma lógica de reprodução e transformação
objetivas. Assim, Bourdieu imprime ao conceito de habitus um processo dialético onde, a “interiorização da
objetividade e exteriorização da interioridade”, embora se dêem de forma
subjetiva, não pertencem somente à esfera individual, uma vez que os habitus de referência do grupo ou da
classe são garantidos à proporção que estes indivíduos “internalizem
representações objetivas” de acordo com as “posições sociais que ocupam”.
Com isso, pode-se
compreender uma grande contradição nas relações profissionais e sociais da
prática pedagógica de professores, especialmente de professores leigos.
Enquanto profissionais, eles “internalizam representações “objetivas” (habitus pedagógicos) através do
currículo escolar e do processo de formação que expressam uma outra visão de
classe. Enquanto indivíduos, pertencentes a um outro grupo social, eles
reinterpretam, através da prática pedagógica, essas “representações objetivas”
dos currículos escolares e da formação, por meio de habitus (que Bourdieu explica como “estruturas estruturadas
dispostas a funcionarem como estruturas estruturantes”) incorporados nas
relações de âmbito particular de classe, isto é, que podem gerar e ‘regular’
novas práticas independente de regras orientadas para um fim”.
Isso implica que, o
professor leigo, no processo de formação e como profissional, internaliza o
genérico do quotidiano social para exteriorizá-lo pelo particular do cotidiano de
classe. Talvez, se possa concluir disso que o habitus das relações particulares de classe, também contido no habitus genérico do social mais amplo,
cunhe no professor leigo uma identidade tendente a determinar a constituição de
habitus pedagógicos ulteriores.
Nesse sentido, tenta-se
articular, apoiando-se nos conceitos de habitus
e de cotidiano, uma análise
descritiva de saberes, práticas e representações construídas e apropriadas pelo
professor leigo na prática pedagógica de sala de aula.
Para Raymond (apud Maurice Tardif e Clermont Gauthier,
1996), em pesquisas recentes, não está clara a noção de saber, por isso é
necessário distinguir saberes de certezas, crenças e habitus, no sentido utilizado por Bourdieu que assim o entende:
“esquemas de ação e pensamento interiorizados no quadro da socialização
profissional ou até no da história escolar ou mesmo familiar dos professores” (p.
26). Neste aspecto, embora pertinente à idéia de não clareza da noção de saber,
entende-se parcial o conceito de habitus
empregado por Tardif e Gauthier, considerando-se que Bourdieu não toma este
conceito, como já explicitado anteriormente, apenas, como um elemento mecânico,
repetitivo (estrutura estruturada), mas como gerador de habitus ulteriores (estrutura estruturante), incorporando a idéia
de reprodução e de possível transformação.
Para Maurice Tardif, Caude
Lessard e Louise Lahaye (1991), o saber docente é um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional,
dos saberes das disciplinas dos currículos e da experiência.
Com base em Maurice Tardif
e Clermont Gauthier (1996), a questão do saber, a partir de perspectiva
histórica, refere-se a pesquisas do início do século, centradas nos traços de
personalidade do professor; com relação aos problemas epistemológicos, as
pesquisas consideram a sala de aula como singularidade e generalização, visando
estabelecer uma regra de funcionamento; os problemas políticos caracterizam-se
pela implantação de ações governamentais com base em ideologias geradas por
pesquisas, relacionando qualidade da educação à competência dos professores; e
problemas metodológicos expressos na limitação das sínteses de pesquisas gerados
pela 'mega-análise' - síntese das sínteses - que induzem os resultados a
procedimentos matemáticos, voltados para resultados obtidos.
Nos anos de 1980 e 1990,
o movimento de profissionalização determinou a crença de que a atividade
docente não poderia se profissionalizar nem alcançar melhor desempenho do aluno
se não se fundamentasse em saberes especializados e para isso seria necessário
se apoiar em pesquisas para determinar a base de conhecimento do professor.
As questões, no entanto,
remontam aos anos pós Segunda Guerra, quando pesquisas tentam medir a eficácia
do ensino não mais por traços de personalidade, mas pelo rendimento de
diferentes métodos utilizados em sala de aula.
Os efeitos dos métodos eram confundidos com a diferença de utilização
dos mesmos pelo docente, uma vez que a base era o estudante e não o docente na
comparação entre salas de aula.
Nas décadas de 1950 e 1960 foram realizados estudos a partir de
observações mais centradas nas atividades pedagógicas, mas não eram
relacionadas com o sucesso escolar. Nos anos setenta, evidenciaram-se as
abordagens processo-produto, etnometodológicas e cognitivas voltadas para o
desempenho dos alunos, procurando saber se isto era determinado pelo docente,
pela classe social ou por programas escolares.
Para estes autores, o
problema epistemológico consiste em considerar, ao mesmo tempo, a sala de aula
como uma atividade singular que não pode conduzir a uma generalização e,
também, como uma estrutura estável que possa ser estudada e, a partir daí,
elaboradas leis ou regras de funcionamento do trabalho docente. Isso recomenda
prudência na utilização de resultados de pesquisas, que devem, apenas, fornecer
informações ao docente. Em seus estudos, Tardif e Gauthier levantam problemas
políticos da pesquisa científica, em relação aos Estados Unidos, dizendo que os
mesmos foram evidenciados a partir do relatório do chamado Grupo Holmes onde se afirmava que para reformar a educação era
necessário tornar os professores mais competentes. Com base nessa conclusão, grupos políticos e
econômicos dominantes teriam conseguido transferir a crise da educação para a
escola e, principalmente, para os professores.
Com relação ao aspecto
metodológico, Tardif e Gauthier (1996) afirmam que os trabalhos que visam
sintetizar os resultados das várias pesquisas são limitados por problemas
metodológicos gerados pela “mega-análise. Para eles, isto não pode reduzir-se a
procedimentos matemáticos, pois deve incluir principalmente discussões sobre os
resultados obtidos. Os problemas são gerados a partir dos objetivos de
resultados de pesquisas de ordem prática, ou seja, visam incorporar tais
resultados a programas de formação docente. Isto, porém, nem sempre ocorre, uma
vez que este é muito mais um processo deliberativo e político. Tais pesquisas
caracterizam-se pelo aspecto sócio–histórico na medida em que procuram situar
os saberes como produtos sociais e permitem apreender suas transformações; e,
pelo aspecto sócio–epistemológico, na medida em que não se limitam as análises
de saberes, a dimensões internas (formais, lógicas, cognitivas), mas também as
insere num sistema de práticas simbólicas, vinculadas ao sistema de ações
sociais.
Metodologicamente, esses
estudos orientam-se pelos princípios da pluralidade e evolução do saber,
vinculando-se a outros aspectos escolares, compreendidos a partir do contexto
em que se dão, do exercício da profissão e determinado pela natureza do
trabalho docente.
Maurice Tardif, Claude
Lessard e Louise Lahaye (1991), consideram que a prática docente integra
diferentes saberes: os saberes das disciplinas (materiais escolares e
conteúdos), os saberes curriculares (programas das disciplinas), os saberes
profissionais (ciências da educação
e pedagogia), os saberes da
experiência ou saberes práticos (constituídos ou absorvidos na ação
quotidiana), e os saberes culturais (cultura geral de cada docente). No entanto
alertam que diferentes pesquisas apontam diferentes tipologias de saberes.
Estes autores discutem a relação dos docentes com os saberes, lembrando que nas
sociedades pré-modernas as tarefas de produção e transmissão do saber se
integravam em um só sujeito. No entanto, com o desenvolvimento do capitalismo
há uma separação cada vez maior entre a produção de saberes e a formação nos
saberes. Como conseqüência, dizem eles que.
"Se os cientistas são
valorizados em sua atividade de produção de conhecimento, os docentes são,
progressivamente, subvalorizados em sua tarefa de ensino. Concebem-se os
docentes como técnicos e executores aos quais competem dominar os saberes e as
técnicas para sua transmissão" (p.217-18 ).
Entende-se pertinente
esta crítica visto que traz à tona a idéia de saber plural no qual o professor
não pode ser reduzido à tarefa de execução. Na sua prática, ele adita, aos
saberes que lhes são impostos, a sua experiência, construindo, portanto, um
novo saber embora na maioria das vezes não se dê conta disso.
O surgimento das ciências
educativas, segundo esses mesmos autores, levam para esta atividade, a
fundamentação da pedagogia moderna, especialmente dos saberes psicológicos e
psicopedagógicos, os quais produzem um saber cada vez mais especializado e
técnico; por outro lado, o centro do ensino se desloca do professor para o
aluno como resultado do surgimento das diferentes tendências pedagógicas, como
a Escola Nova, já que não se trata de aprender conteúdos, mas de aprender a aprender.
Anna Maria Salgueiro Caldeira
(1993) tipifica alguns saberes docentes: a coeducação que se refere a
estratégias para superar estereótipos na questão sexual (menina/menino);
organização do tempo, através dos planos e projetos de trabalho, superando
processos tradicionais vigentes; organização do material em pastas em uma seqüência de atividades;
organização da interação que se refere a um conjunto de regras geradas ou
negociadas; o processo de tomada de
decisão, através de explicação aos alunos e envolvendo-os no mesmo; o trabalho
coletivo na sala de aula quando o docente tenta ser democrático sem ser
parcial, promovendo a participação de todos; a conduta reflexiva do aluno ante
o processo de aprendizagem que procura tornar os estudantes em vez de
executores, reflexivos, considerando que aprender é incorporar, relacionar,
argumentar.
O objetivo central do
trabalho docente, segundo esta autora, é aprender
a aprender para que os alunos tenham consciência do seu próprio processo de
aprendizagem e aprendam a utilizar diferentes estratégias; a promoção da
igualdade entre meninos e meninas, em termos de linguagem e gênero, como
elementos da diversidade e superação de estereótipos sociais; interação com o
aluno com base em informações obtidas na família, procurando intervir segundo
as características de cada um; articulação dos conteúdos escolares, procurando
transformar a informação em conhecimentos, trabalhando fatos, conceitos,
procedimentos e atitudes.
Na prática de sala de
aula, o processo interativo professor-aluno, aspectos tácitos internos e
externos entram em concorrência com o que determina a norma institucional. As
relações se orientam menos pela origem sócio econômica que pelos aspectos
subjetivos de laços familiares e pelos aspectos objetivos de interesses
sócio-políticos. A própria representação que o professor tem dele e de sua
atividade profissional determina os termos da relação com os alunos e com a
comunidade onde trabalha. O professor percebe os critérios tácitos que a
comunidade adota para a “consagração” de um dos seus membros, especialmente do
professor, e por isso adota estratégias de persuasão nem sempre coerentes com a
norma institucional.
É comum os alunos
tratarem o professor tomando a bênção e chamando-o de tio/tia,
madrinha/padrinho. O professor, em contra-partida, incorpora estas
representações familiares como parte do papel que ele deve desempenhar, através
de várias formas, dentre outras, não sendo rígido com o aluno; sendo tolerante
quando ele não faz o exercício; quando esquece o material escolar; quando
excede nas condutas ou conversas durante as aulas; quando copia para os alunos
a tarefa no caderno deles; quando o ajuda a responder exercícios e até mesmo
responder por ele; quando compra, com seu pequeno salário, material escolar,
remédio e até roupas para o aluno. Pesquisa sobre os professores revelou que
ele dá muita importância à necessidade de conquistar a amizades dos alunos como
fundamental, não prioritariamente para favorecer o processo de ensino e
aprendizagem, mas, de modo tácito, para atrair a admiração dos familiares e
garantir sua posição de respeito na comunidade e até mesmo o seu emprego.
O seu prestígio, na
comunidade, depende mais das virtudes pessoais, subjetivas, que possam ser
reconhecidas, que das virtudes intelectuais que possa demonstrar. A atuação do
professor como pessoa e suas posições político-partidárias definem o espaço
social, político e profissional que lhe será reservado “como recompensa”, pela
comunidade. Se os mestres-escola eram
controlados pelo poder eclesiástico no século XVI, (Nóvoa, 1986), nos dias de
hoje, no Brasil, e com mais ênfase em regiões menos desenvolvidas dentre as
quais se insere o Piauí, os mestres-escola,
cuja nomenclatura modernizada veio tornar-se conhecida como professor leigo, passam ao controle do
poder político local, revelados nos processos de recrutamento de professores
para as escolas rurais, embora tal mecanismo atravesse um momento de transição
através da implantação do concurso público.
Por outro lado, se o
professor é parte de grupos dominantes do lugar, este espaço lhe é concedido
independente das práticas de relações que estabeleça, quer no espaço
profissional quer no espaço social. Os alunos, em geral, são filhos, sobrinhos
ou com alguma relação de parentesco com o professor, ou filhos de amigos,
compadres e conhecidos da comunidade. A interação do professor com os alunos
tem estreita relação com a história das relações do professor com os grupos
familiares ou políticos a que estes alunos estão vinculados.
Assim, a história das
relações de interação e das práticas docentes apoiam-se em diversos saberes
construídos em variadas circunstâncias culturais. Nesse sentido, Maria Luisa
Simoni (1991), estudando a prática docente, analisa como a construção e a
circulação de saberes docentes ocorrem no contexto escolar em meio às condições
de trabalho coletivo de professores e alunos, de recursos materiais e
estratégicos, utilizados pelo professor, de intercâmbio de materiais entre
eles, de relação com as famílias, da carga de trabalho do professor, centrada
mais em atividades extra classe que de sala de aula e das formas de organização
de tempo e espaço em classe.
A autora discute as
condições específicas do trabalho docente de 1o grau e as diversas
propostas pedagógicas existentes na escola onde o professor constrói individual
e coletivamente recursos de aprendizagem utilizados no seu trabalho em classe. Seu estudo
mostra que tanto as práticas geradas em outros momentos históricos da escola
quanto às dificuldades dos professores em reconstruir suas práticas de trabalho
se devem, em parte, às condições materiais nas quais ocorrem. Ela sustenta que
os professores aprendem a usar os recursos próprios da escola, atuando de
acordo com a forma como esta se organiza e, se apropriando de seus costumes,
tradições, enfim, aprendem a dirigir-se na estrutura da vida escolar. Todo
professor para ter este desempenho tem de se apropriar, também, dos usos de
linguagem adequados a cada nível em que trabalham.
Com base nisso, vale
acrescentar que não se pode perder de vista que o professor também traz para o
âmbito da vida e da cultura escolar representações, concepções, modos de fazer
e de ser que se encontram diluídos na ação coletiva fora da escola.
Os estudos até aqui
apresentados têm como ponto de partida a apropriação e a construção do saber
docente, evidenciando o cotidiano escolar como processo social e os saberes
docentes como produto deste processo. Enquanto Maurice Tardif, Clermont Gauthier,
Claude Lessard e Louise Lahaye (1991) preocupam-se com saberes de diferentes
natureza: normativos, pragmáticos, tradicionais e tácitos, tipificando-os em
curriculares, disciplinares, profissionais, culturais e da experiência, para
determinar uma base de conhecimento docente, Ana Maria Caldeira, embora
utilizando este referencial, estabelece subtipos destes saberes na prática
pedagógica.
Ambos se diferenciam de
Simoni, que embora admitindo que a construção e circulação de saberes docentes
se dão pelo trabalho coletivo, subordina esse processo às condições materiais
nas quais ocorrem, ou seja, à instituição escolar, subestimando assim, a
influência decisiva, nesse processo, da rede de representações e interações dos
elementos envolvidos no trabalho escolar, provavelmente, capazes, em algumas
circunstâncias, de transformar a instituição, independente de suas condições
materiais.
Os estudos de Carlos Brandão(1983),
Jacques Therrien (1991), Sônia De Vargas (1995) e Maria Cecília Abras (1998),
dentre outros, evidenciam a escola rural como transplantação do modelo de escola urbana. Observou-se, no entanto, na área pesquisada,
que isto só é válido enquanto percepção de escola rural do ponto de vista
formal. No interior das relações que se
dão na escola rural, surge uma outra escola que se orienta, em grande parte,
por leis consuetudinárias em vez de leis formais do sistema de ensino;
substitui, em parte as relações hierárquicas e profissionais pela divisão de
responsabilidades, por critérios subjetivos, familiares; substitui, em parte,
os conteúdos curriculares e métodos formais pelos conteúdos do cotidiano e
pelos modos de fazer legitimados pela experiência.
O jogo de relações
ocultas do trabalho docente em sala de aula constitui-se num espaço simbólico
de autodefesa que envolve e camufla um conjunto de relações e significados que
se constrói no cotidiano, entre o real e o aparente, entre o legal e o
informal, entre o documentado e o não documentado. Nem mesmo como organização a
escola rural parece reprodução total da escola urbana, caracterizando-se por
uma estrutura híbrida, composta de elementos formais e informais. Na verdade, a
aparência da organização escolar rural semelhante à da escola urbana impõe-se
como necessária para ser aceita e reconhecida legalmente pela sociedade como
parte de um sistema escolar oficial.
Embora no aspecto formal
pareça homogeneizada, através de leis, fichas, regimentos, que ao mesmo tempo
em que tentam engessar o cotidiano escolar criam espaços para o seu
questionamento, as práticas quotidianas são altamente diversificadas,
constituindo-se, cada qual de uma dinâmica própria e identificando-se consigo
mesmas e com as histórias das culturas que as criaram. A organização burocrática e o currículo da
escola rural, como ocorre na prática, rompem como o modelo técnico-racional da
proposta oficial.
A mesma relação de
afastamento entre a proposta de escola urbana e a realidade rural observa-se,
também, em relação à escola urbana e às periferias das cidades. Ao contrário do que parecem mostrar as
análises dos vários estudos aqui apresentados, esta defasagem não é uma
característica exclusiva da educação urbano-rural. Há indícios de que,
principalmente, a rápida expansão urbanística, com a formação de grande
concentração populacional nas zonas periféricas das cidades brasileiras, em sua
grande maioria proveniente do meio rural, tornou o problema da distância dos
conteúdos em relação à cultura destas populações, comum tanto ao espaço urbano
quanto ao rural. É importante ressaltar que mesmo antes desta explosão
migratória do campo para a cidade a escola já revelava indícios desta
característica de ignorar a cultura da população quanto aos diversos estratos
sociais do espaço urbano.
Certamente, o professor
só será capaz de transpor saberes construídos para sua atividade pedagógica se
ele for capaz de superar a prática intuitiva (empírica), articulando-a com uma
prática sistematizada e reflexiva. Assim, a valorização da experiência
constitui-se num elemento de superação dos processos de construção de saberes
e, ao mesmo tempo ponto de partida e de chegada de sistematização e avaliação
de sua prática numa perspectiva de mudança.
No entanto, tal processo
de construção e de sistematização de saberes exige experiência que para Pierre
Dominicé (1990) é imprescindível à existência pessoal, social e profissional e
depende da consciência de que o sujeito elabora o seu saber durante sua vida e
que a "noção de experiência mobiliza uma pedagogia interativa e
dialógica". Nesse sentido, os saberes da experiência definem um espaço
profissional e social, constituído por um ciclo de práticas que representam as
idéias pedagógicas de uma época, mas também atualizadas pelas experiências
individuais e coletivas (jurisprudência pedagógica). Desse modo, diz Antonio Nóvoa, (1995), o
intercâmbio entre professores é essencial para solidificar conhecimentos
oriundos da prática profissional e que a produção de saberes e valores refletem
na construção de uma nova cultura profissional dos docentes, uma vez que
"a profissionalização do saber na área das ciências da educação tem
contribuído para desvalorizar os saberes experienciais e as práticas dos
professores” (p. 27).
Lee Shulman, (1986),
citado por Carlos García, in Nóvoa (1995), refere-se a diferentes tipos de
conhecimento dos professores: "o
proposicional, o de casos e o estratégico". O proposicional consiste no conhecimento
da investigação didática baseada nas relações casuais. Tais conhecimentos
contém princípios que derivam da pesquisa empírica sobre a eficácia docente. As
máximas são os conhecimentos adquiridos na prática e as normas referentes a
"valores, princípios ideológicos, filosóficos, de justiça e eqüidade” (p.57-8). O conhecimento de casos refere-se a fatos concretos específicos de prática, ligados á
experiência pessoal. Tal conhecimento aparece sob forma de protótipo ou
"aplicação de princípios teóricos precedentes ou situações práticas e
parábolas oriundas da comunicação de valores e normas referentes aos mitos
profissionais". O conhecimento estratégico
refere-se ao que o professor constrói diante de situações conflituosas.
Krogh, Crews, (1989) e
Ross, (1987) In Antonio Nóvoa classificam três tipos de atitudes necessárias ao
ensino reflexivo, já defendido por Dewey nos anos trinta, que são: a mentalidade aberta que consiste na
"ausência de preconceitos, de parcialidade e de qualquer hábito que limite
à mente e a impeça de considerar novos problemas e de assumir novas
idéias"; a integridade e a harmonia do que se defende; e o entusiasmo que se refere à predisposição
para encarar a atividade com curiosidade
Carlos Garcia, (1995),
com base em Ken Zeichner & D. Liston (1987), aponta três tipos de reflexão
ou de análise da realidade imediata, quais sejam, a técnica, aquela que fazemos das situações explícitas; a prática, que consiste no planejamento do
que se vai fazer e na reflexão do que se realizou; e a crítica, a análise ética e política da própria prática.
Nesse sentido, o mesmo
autor identifica quatro formas de reflexão: a instrospecção, aquela voltada para a reflexão interiorizada de
pensamentos e sentimentos desvinculados da ação quotidiana; o exame, que consiste na alusão do
professor a eventos realizados ou que poderão ser realizados; a indagação leva o professor a analisar a
sua prática e identificar elementos para o aperfeiçoamento; a espontaneidade, que consiste na ação
intelectual de análise do professor durante o seu trabalho pedagógico onde ele
pode redefinir as ações e implementá-las.
Gómez, (1995),
relacionando a educação escolar e a atuação docente, mostra que há defasagem
entre a expansão escolar, nas sociedades industrializadas, e, em conseqüência,
o aspecto técnico da ação docente, a racionalidade técnica, a racionalidade
prática e o modelo técnico e reflexivo de formação docente.
Este mesmo autor, com
base em Yinger (1986), afirma que a partir dos anos cinqüenta a tecnologia da
educação apoiou-se na psicologia do comportamento, responsável pela imagem do
professor como técnico especializado cuja função é aplicar regras oriundas do
conhecimento científico sistematizado. O processo de formação de professores
tem sido realizado com base na concepção "linear e simplista, apoiado no
componente científico-cultural (conteúdos) e no psicopedagógico (como atuar em
sala de aula)". Critica a racionalidade técnica que defende a
"aplicação do conhecimento e do método científico à análise da prática e à
construção de regras que regulem a intervenção do professor". Para ele, na
"tradição positivista, a primazia do contexto da justificação sobre o
contexto da descoberta, forçou a investigação e a intervenção prática a se
ajustarem aos padrões que validam, a
priori, o conhecimento científico ou as suas aplicações tecnológicas”.
Diz, ainda, Gómez, com
base em Yinger e Shön (1983), que o profissional depende da capacidade de lidar
com realidades diversificadas e de resolver problemas práticos.
Desse modo, a prática pode tornar-se
repetitiva e o "conhecimento na ação", mecânico, originando-se a
reprodução automática de sua aparente competência prática. Para ele, se o
professor reflete na ação e sobre a ação, "converte-se
num investigador na sala de aula. Afastado da racionalidade instrumental, o
professor não depende de técnicas, regras e receitas derivadas de uma teoria
externa, nem das prescrições curriculares impostas do exterior da escola pela
administração” (p.105-6). Desse
modo, levando-se em conta o pensamento prático do professor, isto requer que se
reveja a "natureza do conhecimento acadêmico, dos princípios e métodos de
investigação na ação e sobre a ação, o papel do professor como profissional e
os princípios, conteúdos e métodos de sua formação". Este pensamento prático, para ele, "não pode ser
ensinado, mas pode ser aprendido (p.112). A Partir da prática pode o professor
construir um pensamento prático no qual se apoia o ensino reflexivo onde a
prática e o formador se constituem na” chave “do currículo de formação
profissional e diz que” só uma concepção
monolítica da ciência, baseada em posições do mais ultrapassado positivismo,
pode ignorar ou recuar o estudo das situações incertas, únicas e conflituosas
da sala de aula “(p.113),
ressaltando o valor dos métodos etnográficos e qualitativos para estudar as
diversas situações da prática e do processo de construção do pensamento prático
docente.
Com relação a isso, Lise
Demailly (1995), analisando os processos de formação contínua, voltados para a
influenciação de mudança, distingue na socialização de saberes e do
saber-fazer, dois tipos os formais
(procedimentos de aprendizagem desligados de atividade tal como está
socialmente construída); e os informais
(aprendizagem adquirida "por contato ou por imitação"). Nesse
sentido, ela classifica a aquisição do saber por quatro formas: "a universitária, que tem por finalidade
essencial a transmissão do saber e da teoria; a escolar, onde os professores têm de ensinar saberes que são
definidos por um programa oficial; a contratual,
caracterizada por uma negociação entre diferentes parceiros ou voluntários; e a
interativa-reflexiva, voltada para a
solução de problemas reais através de apoios técnicos" (p.150). Com base
em Gilles Ferry (1983), esta autora afirma que os produtos da ação pedagógica
podem ser especializados e reproduzidos num espaço de tensão entre dois
extremos a que chamou de "dramática (a improvisação) e a engenharia (o
transferível), o reprodutível, o esquema em torno do qual se realiza a ação” (p.153).
Com base nisso, ela hierarquiza os saberes profissionais em competências.
"Éticas
(valores); saberes científicos e críticos (que podem ser sistematizados);
saberes didáticos (aplicação das ciências humanas à transmissão e aquisição de
um domínio do saber escolar); competências dramáticas
e relacionais (competências corporais
e comportamentais); saberes e saber-fazer pedagógico (trabalho na sala de
aula, procedimentos como planos de aula e preparação de materiais e aplicação
de tecnologias); e competências organizacionais (metodologias de trabalho
coletivo)". (p.153-55; grifos do autor).
Supõe-se que a
possibilidade de melhor clarificar a noção de saber e de saberes pedagógicos
dêem-se a partir da análise da prática pedagógica, no âmbito das múltiplas
interações e representações concorrentes e dos múltiplos significados que lhes
são atribuídos e modificados no contexto de novas interações. O processo de produção de saberes pedagógicos
no interior das relações de interação e de construção de significados em sala
de aula está diretamente relacionado à posição social dos sujeitos, o papel que
desempenham e a forma como se apropriam destes saberes nos demais campos de
relações sociais, onde vivem, sentem, agem e transformam.
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