Ribamar Tôrres
A proposta de criação deste blog objetiva a abertura de um novo espaço de discussão das políticas públicas de educação e suas relações econômicas, políticas, sociais e culturais. The proposal to create this blog aims to open a new space for discussion of public education policies and their economic, political, social and cultural relations.
quinta-feira, 19 de novembro de 2015
A ESCOLA DO CAMPO : UM JOGO ENTRE ESPERANÇA E RESISTÊNCIA
THE FIELD SCHOOL : A GAME BETWEEN HOPE AND STRENGTH
José Ribamar
Tôrres Rodrigues
Doutor em
Educação pela USP
Mestre em
Educação pela PUC/SP
Estágio em
Formação de Professores no IUFM de DOUAI/ França
Estágio em
formação de Professores em CUBA
Ex-Membro do
Conselho Estadual de Educação/PI
Coordenador do
Fórum Estadual de Educação
Membro do Banco
de Avaliadores do MEC/INEP.
José Ribamar Rodrigues Tôrres
PhD in Education from USP
Master in Education from PUC / SP
Internship in Teacher Training in the IUFM of DOUAI /
France
Stage for Teacher training in Cuba
Former member of the State Board of Education / PI
Coordinator of the State Education Forum
Member of Appraisers Bank MEC / INEP.
Discute-se neste texto os
fatores que contribuem para a negação do Direito do acesso a uma educação de
qualidade, a negação da cidadania e a luta da população da área rural para
superação desse histórico processo de exclusão. Neste contexto, mostram-se como
as relações sociais e político-econômicas reforçam adominação e em consequência
manutenção do poder colonizador de uma parcela da aristocracia nacional, aliada
a grupos de interesses internacionais e insustentável situação da desigualdade
no Brasil. Neste contexto, insere-se o papel reprodutor da educação escolar e a
atuação do professor como mero instrumento embora inconsciente, da legitimação
de uma aparente sociedade democrática.
It is argued in this paper the factors that contribute to
the denial of the right of access to quality education , denial of citizenship
and the struggle of the rural population to overcome this historical process of
exclusion . In this context , it appears as the social , political and economic
relations reinforce the domination and consequently maintaining the colonizing
power of a portion of the national aristocracy , combined with international
interests groups and unsustainable inequality in Brazil . In this context , is
part of the reproductive role of education and the role of the teacher as a
mere instrument if unconscious , the legitimacy of an apparent democratic
society.
Il est soutenu dans ce document les facteurs qui
contribuent à la négation du droit d'accès à une éducation de qualité , le déni
de la citoyenneté et de la lutte de la population rurale de surmonter ce
processus historique de l'exclusion . Dans ce contexte , il semble que les
relations sociales , politiques et économiques renforcent la domination et de
maintenir par conséquent la puissance colonisatrice d'une partie de
l'aristocratie nationale , combiné avec des groupes d'intérêts internationaux
et l'inégalité insoutenable au Brésil . Dans ce contexte , fait partie du rôle
de la reproduction de l'éducation et le rôle de l'enseignant comme un simple
instrument si elle est inconsciente , la légitimité d'une société démocratique
apparente .
Se argumenta en este trabajo los factores que contribuyen
a la negación del derecho de acceso a una educación de calidad , la negación de
la ciudadanía y la lucha de la población rural para superar este proceso
histórico de exclusión. En este contexto , aparece como las relaciones sociales
, políticas y económicas refuerzan la dominación y en consecuencia el
mantenimiento de la potencia colonizadora de una parte de la aristocracia
nacional, combinado con grupos de interés internacionales y la desigualdad no
sostenible en Brasil. En este contexto, es parte de la función reproductiva de
la educación y el papel del profesor como un mero instrumento si está inconsciente
, la legitimidad de una sociedad democrática aparente.
Si sostiene in questo lavoro i fattori che contribuiscono
alla negazione del diritto di accesso a un'istruzione di qualità , la negazione
della cittadinanza e la lotta della popolazione rurale per superare questo
processo storico di esclusione . In questo contesto , appare come le relazioni
sociali , politiche ed economiche rafforzano il dominio e di conseguenza il
mantenimento della potenza colonizzatrice di una parte dell'aristocrazia nazionali,
assieme interessi internazionali gruppi e disuguaglianza insostenibile in
Brasile. In questo contesto , fa parte del ruolo riproduttivo dell'istruzione e
il ruolo dell'insegnante come un mero strumento se inconsapevole , la
legittimità di una società democratica apparente .
Es wird in diesem Papier die Faktoren, die zur
Verweigerung des Rechts auf Zugang zu qualitativ hochwertiger Bildung ,
Aberkennung der Staatsbürgerschaft und dem Kampf der ländlichen Bevölkerung ,
um diese historischen Prozess der Ausgrenzung zu überwinden beitragen
argumentiert . In diesem Zusammenhang scheint es, als die sozialen, politischen
und wirtschaftlichen Beziehungen stärken die Herrschaft und damit die
Aufrechterhaltung der Kolonialmacht auf einen Teil des nationalen Aristokratie
, kombiniert mit internationalen Interessen -Gruppen und nicht nachhaltig
Ungleichheit in Brasilien. In diesem Zusammenhang ist ein Teil der
reproduktiven Rolle der Bildung und die Rolle des Lehrers als ein bloßes
Instrument , wenn unbewusst, die Legitimität einer scheinbaren demokratischen
Gesellschaft.
Он
утверждал, в этой статье факторов, которые способствуют к отказу от права на
доступ к качественному образованию , отказ в предоставлении гражданства и
борьбы сельского населения для преодоления этого исторического процесса
отчуждения . В этом контексте , похоже, как социальные, политические и
экономические отношения укрепить господство и, следовательно, поддержания
колонизации силу части национальной аристократии , в сочетании с международными
групп интересов и неустойчивого неравенства в Бразилии. В этом контексте ,
является частью репродуктивной роли образования и роли учителя как простой
инструмент , если бессознательное , законность очевидного демократическом
обществе .
Onutverzhdal, vetoystat'yefaktorov, kotoryyesposobstvuyutkotkazuotpravanadostupkkachestvennomuobrazovaniyu ,otkazvpredostavleniigrazhdanstvaibor'bysel'skogonaseleniyadlyapreodoleniyaetogoistoricheskogoprotsessaotchuzhdeniya . Vetomkontekste ,pokhozhe, kaksotsial'nyye, politicheskiyeiekonomicheskiyeotnosheniyaukrepit' gospodstvoi, sledovatel'no, podderzhaniyakolonizatsiisiluchastinatsional'noyaristokratii , vsochetaniismezhdunarodnymigruppinteresovineustoychivogoneravenstvavBrazilii. Vetomkontekste ,yavlyayetsyachast'yureproduktivnoyroliobrazovaniyairoliuchitelyakakprostoyinstrument , yeslibessoznatel'noye , zakonnost' ochevidnogodemokraticheskomobshchestve .
A escola rural
organiza-se, aparentemente, pelos mesmos critérios da escola urbana, com turnos
pela manhã e pela tarde e, raramente, à noite, em razão da falta de energia
elétrica. A estrutura hierárquica embora prevista, na maioria dos casos não há
diretorpor terem as escolas, quase sempre uma sala de aula e muitas dela não
têm nem mesmo merendeira e zeladora cujas funções são acumuladas pela
professora.
A administração do
sistema municipal de ensino éexercida pela Secretaria Municipal de Educação,
composta de secretário, coordenação pedagógica e pessoal administrativo. Embora seja uma unidade administrativa, as
secretarias não controlam o orçamento a elas previsto por lei, nem tomam
decisões cujas atividades são exercidas pelo prefeito.
A organização da escola
rural decorre de uma política nacional centralizada na qual os estados,
especialmente do nordeste, seguem, via de regra, os projetos do Ministério da
Educação. Os Estados, para receberem estes recursos, se obrigam a planejar de
acordo com as linhas de financiamento do MEC. Este tipo de política central, de
um lado, obriga os Estados a se organizarem, a planejar as ações educacionais,
mas de outro lado, favorece a que o Estado não desenvolva um planejamento
educacional próprio para suas reais necessidades e, ainda, influencia no seu
descomprometimento com uma política educacional. O mesmo ocorre em relação ao município. A
imposição de uma política educacional verticalizada estabelece uma camisa de força para a ação educativa.
Em nível municipal, as
Secretarias de Educação recebem programações curriculares da Secretaria
Estadual de educação e os livros didáticos do Ministério da educação. Este
processo se reproduz na ação da secretaria municipal comos professores,
distribuindo materiais prontos para serem executados em sala de aula. Todas
essas orientações verticais tendem a estabelecer uma padronização no funcionamento
escolar, ignorando as especificidades físico- materiais e de recursos humanos.
Muitas das políticas
educacionais impostas à escola rural, além de não haver condições materiais e
humanas para implantá-las estão desconectadas das práticas pedagógicas e
administrativas locais. Mudam-se as
políticas e leis quando nem mesmo as anteriores foram avaliadas e sequer
assimiladas às práticas educacionais. Alguns fragmentos de política e
legislação educacionais são identificados, apenas formalmente, mas continuam
estranhas aos hábitos culturais dos ambientes profissional e escolar. Algumas
políticas jamais são absorvidas pelas práticas, são apenas justapostas a elas.
Em termos
organizacionais, as Secretarias de Educação de grande parte dos municípios,
mesmo daqueles há pouco tempo criados, segue a estrutura hierárquica das
tradicionais secretarias de educação, nem sempre adequadas à realidade
municipal. Este fator impossibilita o
desenvolvimento de um trabalho voltado para as necessidades locais em razão da
ineficiência da máquina burocrática, de métodos e procedimentos
administrativos. Assim como o Estado
reproduz as políticas nacionais, o município reproduz as políticas estaduais,
reproduzindo, também, uma prática docente ineficiente e os resultadosnegativos
decorrentes.
Esse processo inviabiliza
o surgimento de um planejamento do trabalho pedagógico a partir da reflexão
sobre a realidade local, transformando, talvez, bons profissionais em meros
executores de políticas que impõem uma padronização do processo educativo
escolar. Estas políticas verticais, reproduzidas nas políticas municipais são,
claramente, observadas nas leis orgânicas dos municípios que embora deva
fundamentar-se em diretrizes nacionais,poderiam ser espaços de geração de novas
ideias. No entanto, não passam de meras adaptações ou cópias de aspectos da
legislação nacional, inclusive, abordando preocupações alheias às necessidades
desses municípios.
As Secretarias Municipais
de Educação não executam um plano de trabalho sistemático de acompanhamento das
escolas. Considera-se visita, muitas vezes, a passagem pela escola para a
distribuição de produtos da merenda escolar quando o coordenador ou supervisor
pedagógico conversa rapidamente com o professor. Não há, nem mesmo, qualquer
instrumento de registro da informações colhidas na escola ou um trabalho sobre
tais informações em função da melhoria do professor e do processo de ensino
e aprendizagem, como bem expressam os
depoimentos de professores que se seguem.
"Eu fico muito agradecida por
você ter feito essa...como é que se diz...esse passeio aqui nessa escola porque
a gente nunca recebeu a visita...assim...de outra pessoa, nem mesmo da própria
secretária, nem a supervisora, a coordenadora ...às vezes eles vêm aqui na
época que vem deixar material, uma merenda...só chegam atrasados...nunca chegam
à escola pra saber...conhecer a realidade de cada aluno..".(Profa. Suzana,
Demerval Lobão).
"Pra melhorar a escola rural...tá
faltando muita coisa. A primeira coisa que tinha de acontecer era cada sala
fosse uma série...acabasse a multisseriada e outra coisa é que eles (os
dirigentes) prestassem mais atenção. Aparecesse de vez em quando alguém mais
influenciado...não deixasse a gente
jogado, tomando conta de tudo sozinha. Alguém da secretaria aparecesse, fizesse
uma palestra com a gente, conversasse com os alunos da gente...tá faltando
muito. Muitos cuidados que eles num têm...nunca tiveram". (Profa.
Rosário,José de Freitas).
As estruturas físicas das
escolas não dispõem dos espaços necessários ao desenvolvimento das atividades
educativas. Em grande parte delas não há sanitário ou locais adequados para a
recreação dos alunos. Todas as atividades são realizadas na sala de aula e os
materiais didático-pedagógicos são guardados em armário na classe, na casa da
professora ou de familiares que moram próximo da escola. Um professor assim se
expressa:
"Tem lugar por aí que
são bem organizado, mas ainda existe aqueles lugar que são difícil. Minha
escola é um galpãozinho perto de casa. Ela num tá muito boa. Tá precisando
fazer. Eles [dirigentes] dizem assim: a escola pode continuar aqui com os pais
e a comunidade se reunindo e fazendo a casinha..." (prof. Justino Almeida,
Canto Grande, Altos).
As carteiras são sempre dispostas em fila ao
longo da sala, de frente para o quadro de giz. É comum nas escolas a existência
de dois quadros de giz. Este é um recurso importante porque, sendo a grande
maioria das classes multisseriadas, permite o professor atender ao mesmo tempo
mais de uma série, principalmente, para os exercícios e as avaliações que são
copiadas no quadro.
A nova Política Nacional
de Educação, através do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino
Fundamental e valorização do magistério – FUNDEF1
provocou a substituição de parte de professores leigos por professores com o
Curso Pedagógico.
Os professores leigos com estabilidade foram
aproveitados no pré–escolar, na 1asérie, na alfabetização, como
auxiliar de classe ou nas funções de merendeira ou zeladora. O concurso
público, de um lado, atraiu professores habilitados, mesmo para trabalharem na
zona rural, em função da mudança da realidade salarial, não obstante ainda não
ter evoluído o desejado e, de outro, gerou pressão das famílias sobre as
autoridades para terem professores formados no Curso Pedagógico.
As escolas atendem
somente de 1aà 4a séries do ensino fundamental, na grande
maioria, multisseriadas. O horário de funcionamento segue a norma oficial de
7:30 às 13:30 e de 13:30 às 17:30 o que
não significa que este tempo seja utilizado totalmente com atividades
pedagógicas. A tarefa do professor leigo não se restringe às atividades
pedagógicas. Eles acumulam funções administrativas,
administrativo-burocráticas, pedagógicas e comunitárias. Atribuições de direção,
coordenação, supervisão, transporte e armazenamento de materiais e merenda
escolar, zeladoria, merendeira, correspondência escolar, resolução de problemas
na secretaria municipal de educação, reuniões com os pais, planejamento,
ensino, além de eventos, campanhas sociais, efemérides e trabalhos
domésticossão algumas das atividades exercidas por ele.
As escolas nem sempre têm
de equipamentos necessários mesmo o mínimo para o seu funcionamento e, no
entanto, há outros equipamentos como TV e vídeo que não são utilizados para a
melhoria do processo de ensino e aprendizagem.
Tais equipamentos são oriundos de programas nacionais, aceitos pelo
estado ou município para poderem receberos recursos, mas após colocá-los em
sala de aula há dificuldades de assistência técnica. Ao darem qualquer defeito,
permanecem na escola sem nenhuma utilidade pedagógica. As salas de aula têm
sempre as paredes cobertas de cartazes, sobre conteúdosa serem ensinados,
figuras, desenhos, mapas, etc embora dificilmente os professores os utilizem
como material de apoio. São, geralmente, trabalhos feitos pelos professores em
treinamentos ou para dar aulas e feitospelos alunos sobre temas de efemérides.
O processo de apropriação
de saberes sociais e do cotidiano escolar contribui para a construção de uma
competência intelectual e linguística instrumentalizadora da luta pela inserção social e profissional.
Os saberes destas relações do cotidiano escolar criam códigos que
estruturamblocos de resistência ao controle exercido pelas normas oficiais que
organizam a escola e a impõem saberes e significados determinados para serem
disseminados na escola. As práticas pedagógicas construídas por professores
leigos estabelecem fronteiras entre áreas de saberes oficiais e do cotidiano
escolar, responsáveis, ao mesmo tempo, pela preservação da imagem do professor
e de um espaço de saberes pedagógicos pelos quais a escola rural cumpre o seu
papel de socializadora da cultura local e universal.
Ao contrário do que,
geralmente indicam várias pesquisas sobre a prática pedagógica do professor
leigo consideradas reprodutoras e ingênuas, o seu trabalho de sala de aula
revela uma multiplicidade de saberes apropriados e reelaborados pela
experiência das múltiplas funções a que ele é solicitado a exercer na escola e
na comunidade. Por isso, em nível local, ele é de certo modo, valorizado. Com a
implantação de Secretarias Municipais de Educação, as ações de controle sobre a
escola rural restringiu a função socializadora que a escola urbana, preocupada
em responder demandas de mercado, já perdeu há muito tempo; e quando há alguns
resquícios disto, são chamadas de atividades extra-classe ou dentro de uma nova
terminologia dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs de "temas
transversais", que embora tenham uma amplitude maior inclui possíveis
espaços sociais e culturais.
Aescola rural ainda
conserva esta herança socializadora de que fala Arroyo, (1996), como tarefa
curricular através de "conhecimentos, representações, valores, modos de
conduta, de vida, hábitos, rituais, símbolos, artefatos e técnicas" (p.
170). A escola rural ainda é esse espaço
de cumplicidade de construção e celebração da história local onde pensar,
sentir e agir se aglutinam contraditoriamente em explosões de comemorações da
vida cotidiana. Assim, deve-se questionar a ideologia de capacitação docente
tão enfatizada nos últimos anos quanto a uma identidade cultural do professor e
quanto a seus reflexos na ação docente que possa estar levando a uma assepsia
do cotidiano escolar em detrimento de uma escola de vivência e convivência da
cultura a partir das tradições locais.
É intrigante refletir
sobre como a organização oficial da escola determina, a priori, um tempo para que todos os aluno aprendam determinados
conteúdos curriculares, independente de sua herança cultural, biológica e das
condições de vida deles. Se não aprende, vai logo incluído no rol dos que
apresentam dificuldades de aprendizagem e encaminhado para as chamadas classes
especiais. Isto camufla interesses de
exclusão social ou de manutenção desta exclusão escolar e social que implicam,
por sua vez, nas questões da igualdade e da cidadania. Tais mecanismos,
subliminarmente, tentam fazer os indivíduos acreditarem, como natural, que
alguns nascem mais capazes e outros menos e, em decorrência disto, a aceitarem
também como natural as futuras posições que eles possam ocupar na sociedade.
Desse modo, a chamada
cultura escolar cristaliza no espaço social das práticas pedagógicas um
conjunto de múltiplas interações e representações que deságuam em saberes,
habilidades e valores, gerando estereótipos sociais que pintam um retrato sem
rosto da escola cotidiana viva de relações de troca e de conflitos, em que os
sujeitos protagonistas de uma história real, concreta, desaparecem nessas estruturas
anônimas da instituição.
Para Arroyo, "a
escola não deixa de ser centro de comemoração, de celebração coletiva da
memória coletiva, dos saberes, valores, rituais, crenças e dos modos de
conduta, se ela não fizer isso perde sua função histórica" (p. 170). A
escola concreta, em construção histórica, racionalmente subjetiva, luta contra
a escola anacrônica, pré-concebida, mas com força legal para sufocar a escola
nascente do cotidiano em busca de liberdade.
5.2.1 - Recreio: Resgatando a infância
O tempo e o espaço do
recreio na escola rural têm um sentido particular na vidas de suas crianças.
Sente-senos seus semblantes um clima de ansiedade e expectativa por este
momento. É comum a preocupação dos alunos, interrompendo a professora e esta
usando isso para fazê-los cumprir as tarefas, em delimitar os espaços de sua
autoridade e manter a sua representação de alunos, assimilada da cultura
escolar, através da atenção e disciplina. Um aluno indaga a mestra:
"Professora, vai ter recreio"? Outro aluno: "Professora, que
hora vai ser o recreio"? O que ela responde: "Se vocês não fizerem o
exercício e não prestarem atenção, vamos ficar aqui...esses que estão
conversando vão ficar aqui na hora do recreio...quem não terminar o exercício
vai ficar terminando na hora do recreio".
Enquanto os alunos fazem
tarefas, a professora vai à cozinha e verifica se a merenda já está pronta,
isso em escolas onde há merendeira porque quando não, ela concilia o tempo de
exercício com ao preparo da merenda ou da alimentação de sua família, em sua
casa,quando mora perto da escola. Nisto,
há uma representação tácita de gênero na divisão de tarefas escolares onde
somente nas escolas com professoras ocorre esta cumulação, de papéis docente,
administrativo e doméstico, consideradas como naturais uma vez que a escola é
apenas mais uma tarefa de mulher naquele contexto. Quando setrata de um
professor, há na escola a figura da merendeira, sempre uma mulher; o mesmo
ocorre para a função de zeladora. Isso quer dizer que as representações sobre a
divisão social do trabalho local tem forte influência na divisão do trabalho no
interior da escola.
Ainda sobre o recreio, o
que se observa é que mal o professor insinua que está na hora do recreio, os
alunosfecham rapidamente os cadernos e livros em meio ao eco de vozes de
conversas e saem desordenadamente em direção ao local de distribuição da
merenda, que só é distribuída quando o professor chega para ordenar o seu
início, após a organização da fila, do menor para o maior, meninos de um lado e
meninas de outro.
Tais rituais, repetidos
anos a fio, representam o confronto do quotidiano com as normas institucionais,
transmissoras de hábitos e valores que devemmodular a conduta de alunos
"rebeldes" para torná-los "educados". Neste aspecto,
professores e dirigentes escolares parecem teruma representação da escola tanto
comolugar para se aprender os conteúdos disciplinares, como também para
aprender a "ser gente", que na linguagem local significa serem
obedientes, compreensivos e respeitosos para com os mais velhos e os
superiores. Embora a escola seja o lugar privilegiado de transmissão desses
saberes, tais representações estão amalgamadas nas relações sociais da tradição
dacultura local.
Em primeiro lugar,o recreio
representa a satisfação de uma necessidade biológica porque é a hora da merenda
que para a maioria, emcertas épocas do ano,
como na entre safra e nos períodos de estiagem, torna-se a principal
alimentação do dia; em segundo lugar, é um dos poucos momentos que estes alunos
podem viver a sua idade, ser criança, sonhar através das representações que
vivem e constroem nas brincadeiras que no seu cotidiano familiar são
substituídas por tarefas domésticas e pelo trabalho no campo; é, também uma
necessidade psicológica de romper o isolamento e encontrar os colegas,
conversar, brincar ou estabelecer conflitos, naturais, no jogo de definição de
espaço e posição nas relações sociais que se manifestam, inicialmente, na
escola ou de aflorar, através deles, os vínculos de amizade ou animosidade que
se dão entre suas famílias e parentes no espaço social local.
O horário de recreio, nas
várias escolas pesquisadas, varia entre 20 a 50 minutos, dependendo de haver ou
não merenda escolar ou da ocupação doméstica da professora quando reside
próximo da escola. A merenda escolar quando há, compõe-se basicamente de leite
em pó, suco, biscoito, macarrão e sardinha.
Em algumas escolas quando não há merenda escolar não há recreio A intervenção
do professor nas atividades de recreio só se dá, geralmente, para interromper,
chamar atenção e, a não ser que haja conflito, meninos e meninas se agrupam por
critérios culturais do costume: parentesco, amizade e sexo, independente de
idade onde as relações de coeducação também ocorrem por processos informais. As
meninas se agrupam para conversar e os meninos para correr e jogar bola.
A escola, mais que
necessidade material, social ou cultural, parece ser uma necessidade
psicológica para as crianças, adolescentes e jovens. A
ausência de lazer e diálogo em casa onde há, geralmente, tarefas determinadas,
as crianças aparentam ansiosas para chegar a hora de ir à escola. Lá encontram
outras crianças, amigos e poderão conversar e brincar. A escola parece ser
concebida como lugar e momento de lazer onde a principal preocupação não é
aprender, mas participar de um momento social para compensar a dura rotina de
vida de trabalho do campo. A aparente indisciplina parece ser uma expressão da
necessidade psicológica de brincar e relacionar-se comos outros.
O tempo de recreio se
alonga conforme as atividades extraclasse, administrativa e doméstica que o
professor assume. A organização do tempo
do recreio, prescrita em regimentos escolares, não segue regra oficial, sendo
determinado não pelo relógio, mas por um processo natural, biológico. Os turnos
escolares (manhã e tarde) se definem pelo costume local e pela dinâmica das
tarefas. Enquanto o professor urbano tem mais dificuldade de modificar a
organização do tempo oficial, elemento essencial para o controle burocrático da
escola, o professor leigo, em grande parte, é quem o controla. Isto decorre do
fato de que as várias funções burocráticas da escola, de execução e de controle
são assumidas pelo próprio professor. Estas características parecem revelar o
baixo grau de profissionalização da função docente na escola rural.
Perfil dos Alunos
Os alunos são filhos de
agricultores da região, quase sempre moradores ou trabalhadores das fazendas,
diaristas ou meeiros. Nesse caso, o trabalho é pago pela partia da produção,
geralmente na proporção de uma parte para o trabalhador e quatro partes para o
patrão. Observou-se que a frequência do aluno tem relação direta com a merenda
escolar. Muitas dessas criançaschegam à escola sem tomar café ou no período da
tarde sem terem sido alimentadas suficientemente. É comum nas crianças a
subnutrição e verminose. Isso se comprova não só pelas precárias condições de
vida de suas famílias, como pela apatia,dificuldade de concentração e
deaprendizagem (distorção idade/série) e, ainda, pela defasagem na relação
idade/altura. Uma das professoras diz o seguinte a esse respeito:
"A maior dificuldade que eu sinto
aqui, tanto na 2a série, 3a e 4a , são os
alunos. Eles são muito fracos... são doentios... faltam muito. Tem criança aqui
que passa cinco dias sem pisar na escola. Esse é o maior problema que eu
sinto...deles serem fracos...famintos...eu acho que não estou
preparada..." (Profa. Rosário, José de Freitas).
A frequência de alunos e
professores é sempre interrompida pelas atividades agrícolas, religiosas e
folclóricas tradicionais do lugar: plantio, colheita, farinhada, novenas,
festas familiares, doenças pessoais, familiares, planejamento e dia de
pagamento do salário. Observou-se que as residências dos alunos têm as paredes
enfeitadas com retratos de políticos, artistas, figuras de santos, de
religiosos mitificados, como o papa, o padre Cícero, frei Damião, calendários,
folhas de revistas de fotonovelas, etc. Infere-se que este costume representa
uma tradição local que está muito mais ligada ao processo de isolamento
cultural dessa população e a uma concepção de residência, reproduzindo as
antigas moradias dos patrões. O mesmo sistema se reproduz nas salas de aula, acredita-se
por isto que os enfeites não indicam uma preocupação pedagógica, mas assumem um
conjunto de significados ligados àstradições familiares para a atividade
profissional de ensino e, por outro lado, como uma representação da atuação do
professor e da qualidade da escola. Isso deixa boa impressão a visitantes e a
coordenadores pedagógicos. A infinidade de cartazes que o professor poderia
utilizar como apoio ao processo de aprendizagem dos alunos e através deles
explorar conteúdos informativos e de ensino estão totalmente desvinculados da
prática pedagógica cotidiana.
A relação de parentesco
entre alunos e professores substitui a relação profissional pela familiar onde
o tratamento de respeito (senhor, senhora, dona) dá lugar a tia, madrinha. Isso
revela o traço familiar da cultura escolar e comunitária, constituindo-se num
dos fatores de resistência aos processos administrativos impessoais e em uma
herança da cultura de submissão, na qual fazer parte da relação de parentesco
ou amizade de lideranças ou autoridades, transfere a elas status e respeito dos demais e quanto maior o grau de relação,
maior o acesso aos benefícios dos
espaços sócio–administrativos. Deste modo, os espaços domésticos e escolares se
fundem. É comum os alunos levaremà escola não só os irmãos menores, mas até
animais de estimação. Isso tem várias implicações de ordem prática e
pedagógica, dentre elas, a função dos irmãos mais velhos de cuidarem dos mais
novos, permitir à mãe se ocupar dos afazeres domésticos, auxiliar na
alimentação dos filhos que merendam na escola. Para o trabalho docente, esta
situação cria uma espécie de pré-escolar informal. O professor prepara
atividades para estas crianças menores mais para mantê-las ocupadas que para
desenvolver nelas alguma habilidade de preparação para a leitura e escrita,
embora isso acabe ocorrendo.
Ainda não temos uma educação do campo
e muito menos uma educação de qualidade. A escola, neste contexto de
desigualdade e pobreza é a única ideia que destoa da vida rural cuja população
ainda luta pela sobrevivência. A escola rural serve menos a formação de uma
cidadania capaz de transformar vidas e mais a uma rede de atores lutando para
manutenção de poder político. E conômico e social. Neste aspecto, a escola é,
apenas, uma miragem de esperança de conquista de Direitos civis, políticos e
sociais, considerando-se que o que esta população aprende na escola jamais lhe
dará condições em pé de igualdade para participar da competição social.
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1
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério foi instituído pela Emenda Constitucional No 14, de
setembro de 1996 e regulamentada pela Lei 9.424 de dezembro/96, juntamente com
o Decreto 2.264 de junho/97. O Programa foi implantado, nacionalmente, em 1o
de janeiro de 1998. Sua maior inovação consiste na mudança da estrutura de
financiamento do Ensino Fundamental (1a à 8a séries,
antigo 1o grau. O Fundo compões, basicamente,de recursos dos
próprios estados e Municípios, acrescidos da parcela da União, sendo 15%do FPE-
Fundo de Participação dos Estados, do FPM - Fundo de Participação dos
Municípios, do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e do
IPIexp - Imposto sobre produtos industrializados proporcional às exportações.
Os recurso do FUNDEF são distribuídos para capacitação do magistério (40%), conforme
Art. 70 da Lei 9394/96 (LDB) e para remuneração do magistério (60%), conforme
Resolução 03 de 08.10.97 do Conselho Nacional de Educação. As implicações do
FUNDEF no Ensino Fundamental se concretiza através da participação da comunidade nos Conselhos de
Acompanhamento da execução do Programa; da profissionalização da carreira
docente, através dos planos de carreira, capacitação, melhores salários e
melhores condições materiais e de trabalho (aspectos físicos dos prédios,
equipamentos, acervo bibliográfico, geração de empregos em função das operações
de construção e compra de materiais, manutenção de transporte escolar e, em
consequência de tudo isso, a universalização do acesso à escola e melhoria da
qualidade do educação escolar.


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