quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A ESCOLA DO CAMPO : UM JOGO ENTRE ESPERANÇA E RESISTÊNCIA

THE FIELD SCHOOL : A GAME BETWEEN HOPE AND STRENGTH

José Ribamar Tôrres Rodrigues
Doutor em Educação pela USP
Mestre em Educação pela PUC/SP
Estágio em Formação de Professores no IUFM de DOUAI/ França
Estágio em formação de Professores em CUBA
Ex-Membro do Conselho Estadual de Educação/PI
Coordenador do Fórum Estadual de Educação
Membro do Banco de Avaliadores do MEC/INEP.

José Ribamar Rodrigues Tôrres
PhD in Education from USP
Master in Education from PUC / SP
Internship in Teacher Training in the IUFM of DOUAI / France
Stage for Teacher training in Cuba
Former member of the State Board of Education / PI
Coordinator of the State Education Forum
Member of Appraisers Bank MEC / INEP.


Discute-se neste texto os fatores que contribuem para a negação do Direito do acesso a uma educação de qualidade, a negação da cidadania e a luta da população da área rural para superação desse histórico processo de exclusão. Neste contexto, mostram-se como as relações sociais e político-econômicas reforçam adominação e em consequência manutenção do poder colonizador de uma parcela da aristocracia nacional, aliada a grupos de interesses internacionais e insustentável situação da desigualdade no Brasil. Neste contexto, insere-se o papel reprodutor da educação escolar e a atuação do professor como mero instrumento embora inconsciente, da legitimação de uma aparente sociedade democrática.



It is argued in this paper the factors that contribute to the denial of the right of access to quality education , denial of citizenship and the struggle of the rural population to overcome this historical process of exclusion . In this context , it appears as the social , political and economic relations reinforce the domination and consequently maintaining the colonizing power of a portion of the national aristocracy , combined with international interests groups and unsustainable inequality in Brazil . In this context , is part of the reproductive role of education and the role of the teacher as a mere instrument if unconscious , the legitimacy of an apparent democratic society.



Il est soutenu dans ce document les facteurs qui contribuent à la négation du droit d'accès à une éducation de qualité , le déni de la citoyenneté et de la lutte de la population rurale de surmonter ce processus historique de l'exclusion . Dans ce contexte , il semble que les relations sociales , politiques et économiques renforcent la domination et de maintenir par conséquent la puissance colonisatrice d'une partie de l'aristocratie nationale , combiné avec des groupes d'intérêts internationaux et l'inégalité insoutenable au Brésil . Dans ce contexte , fait partie du rôle de la reproduction de l'éducation et le rôle de l'enseignant comme un simple instrument si elle est inconsciente , la légitimité d'une société démocratique apparente .


Se argumenta en este trabajo los factores que contribuyen a la negación del derecho de acceso a una educación de calidad , la negación de la ciudadanía y la lucha de la población rural para superar este proceso histórico de exclusión. En este contexto , aparece como las relaciones sociales , políticas y económicas refuerzan la dominación y en consecuencia el mantenimiento de la potencia colonizadora de una parte de la aristocracia nacional, combinado con grupos de interés internacionales y la desigualdad no sostenible en Brasil. En este contexto, es parte de la función reproductiva de la educación y el papel del profesor como un mero instrumento si está inconsciente , la legitimidad de una sociedad democrática aparente.


Si sostiene in questo lavoro i fattori che contribuiscono alla negazione del diritto di accesso a un'istruzione di qualità , la negazione della cittadinanza e la lotta della popolazione rurale per superare questo processo storico di esclusione . In questo contesto , appare come le relazioni sociali , politiche ed economiche rafforzano il dominio e di conseguenza il mantenimento della potenza colonizzatrice di una parte dell'aristocrazia nazionali, assieme interessi internazionali gruppi e disuguaglianza insostenibile in Brasile. In questo contesto , fa parte del ruolo riproduttivo dell'istruzione e il ruolo dell'insegnante come un mero strumento se inconsapevole , la legittimità di una società democratica apparente .


Es wird in diesem Papier die Faktoren, die zur Verweigerung des Rechts auf Zugang zu qualitativ hochwertiger Bildung , Aberkennung der Staatsbürgerschaft und dem Kampf der ländlichen Bevölkerung , um diese historischen Prozess der Ausgrenzung zu überwinden beitragen argumentiert . In diesem Zusammenhang scheint es, als die sozialen, politischen und wirtschaftlichen Beziehungen stärken die Herrschaft und damit die Aufrechterhaltung der Kolonialmacht auf einen Teil des nationalen Aristokratie , kombiniert mit internationalen Interessen -Gruppen und nicht nachhaltig Ungleichheit in Brasilien. In diesem Zusammenhang ist ein Teil der reproduktiven Rolle der Bildung und die Rolle des Lehrers als ein bloßes Instrument , wenn unbewusst, die Legitimität einer scheinbaren demokratischen Gesellschaft.


Он утверждал, в этой статье факторов, которые способствуют к отказу от права на доступ к качественному образованию , отказ в предоставлении гражданства и борьбы сельского населения для преодоления этого исторического процесса отчуждения . В этом контексте , похоже, как социальные, политические и экономические отношения укрепить господство и, следовательно, поддержания колонизации силу части национальной аристократии , в сочетании с международными групп интересов и неустойчивого неравенства в Бразилии. В этом контексте , является частью репродуктивной роли образования и роли учителя как простой инструмент , если бессознательное , законность очевидного демократическом обществе .
Onutverzhdal, vetoystat'yefaktorov, kotoryyesposobstvuyutkotkazuotpravanadostupkkachestvennomuobrazovaniyu ,otkazvpredostavleniigrazhdanstvaibor'bysel'skogonaseleniyadlyapreodoleniyaetogoistoricheskogoprotsessaotchuzhdeniya . Vetomkontekste ,pokhozhe, kaksotsial'nyye, politicheskiyeiekonomicheskiyeotnosheniyaukrepit' gospodstvoi, sledovatel'no, podderzhaniyakolonizatsiisiluchastinatsional'noyaristokratii , vsochetaniismezhdunarodnymigruppinteresovineustoychivogoneravenstvavBrazilii. Vetomkontekste ,yavlyayetsyachast'yureproduktivnoyroliobrazovaniyairoliuchitelyakakprostoyinstrument , yeslibessoznatel'noye , zakonnost' ochevidnogodemokraticheskomobshchestve .




A escola rural organiza-se, aparentemente, pelos mesmos critérios da escola urbana, com turnos pela manhã e pela tarde e, raramente, à noite, em razão da falta de energia elétrica. A estrutura hierárquica embora prevista, na maioria dos casos não há diretorpor terem as escolas, quase sempre uma sala de aula e muitas dela não têm nem mesmo merendeira e zeladora cujas funções são acumuladas pela professora.

A administração do sistema municipal de ensino éexercida pela Secretaria Municipal de Educação, composta de secretário, coordenação pedagógica e pessoal administrativo.  Embora seja uma unidade administrativa, as secretarias não controlam o orçamento a elas previsto por lei, nem tomam decisões cujas atividades são exercidas pelo prefeito.

A organização da escola rural decorre de uma política nacional centralizada na qual os estados, especialmente do nordeste, seguem, via de regra, os projetos do Ministério da Educação. Os Estados, para receberem estes recursos, se obrigam a planejar de acordo com as linhas de financiamento do MEC. Este tipo de política central, de um lado, obriga os Estados a se organizarem, a planejar as ações educacionais, mas de outro lado, favorece a que o Estado não desenvolva um planejamento educacional próprio para suas reais necessidades e, ainda, influencia no seu descomprometimento com uma política educacional.  O mesmo ocorre em relação ao município. A imposição de uma política educacional verticalizada estabelece uma camisa de força para a ação educativa.

Em nível municipal, as Secretarias de Educação recebem programações curriculares da Secretaria Estadual de educação e os livros didáticos do Ministério da educação. Este processo se reproduz na ação da secretaria municipal comos professores, distribuindo materiais prontos para serem executados em sala de aula. Todas essas orientações verticais tendem a estabelecer uma padronização no funcionamento escolar, ignorando as especificidades físico- materiais e de recursos humanos.
Muitas das políticas educacionais impostas à escola rural, além de não haver condições materiais e humanas para implantá-las estão desconectadas das práticas pedagógicas e administrativas locais.  Mudam-se as políticas e leis quando nem mesmo as anteriores foram avaliadas e sequer assimiladas às práticas educacionais. Alguns fragmentos de política e legislação educacionais são identificados, apenas formalmente, mas continuam estranhas aos hábitos culturais dos ambientes profissional e escolar. Algumas políticas jamais são absorvidas pelas práticas, são apenas justapostas a elas.

Em termos organizacionais, as Secretarias de Educação de grande parte dos municípios, mesmo daqueles há pouco tempo criados, segue a estrutura hierárquica das tradicionais secretarias de educação, nem sempre adequadas à realidade municipal.  Este fator impossibilita o desenvolvimento de um trabalho voltado para as necessidades locais em razão da ineficiência da máquina burocrática, de métodos e procedimentos administrativos.  Assim como o Estado reproduz as políticas nacionais, o município reproduz as políticas estaduais, reproduzindo, também, uma prática docente ineficiente e os resultadosnegativos decorrentes.

Esse processo inviabiliza o surgimento de um planejamento do trabalho pedagógico a partir da reflexão sobre a realidade local, transformando, talvez, bons profissionais em meros executores de políticas que impõem uma padronização do processo educativo escolar. Estas políticas verticais, reproduzidas nas políticas municipais são, claramente, observadas nas leis orgânicas dos municípios que embora deva fundamentar-se em diretrizes nacionais,poderiam ser espaços de geração de novas ideias. No entanto, não passam de meras adaptações ou cópias de aspectos da legislação nacional, inclusive, abordando preocupações alheias às necessidades desses municípios.

As Secretarias Municipais de Educação não executam um plano de trabalho sistemático de acompanhamento das escolas. Considera-se visita, muitas vezes, a passagem pela escola para a distribuição de produtos da merenda escolar quando o coordenador ou supervisor pedagógico conversa rapidamente com o professor. Não há, nem mesmo, qualquer instrumento de registro da informações colhidas na escola ou um trabalho sobre tais informações em função da melhoria do professor e do processo de ensino e  aprendizagem, como bem expressam os depoimentos de professores que se seguem.

         "Eu fico muito agradecida por você ter feito essa...como é que se diz...esse passeio aqui nessa escola porque a gente nunca recebeu a visita...assim...de outra pessoa, nem mesmo da própria secretária, nem a supervisora, a coordenadora ...às vezes eles vêm aqui na época que vem deixar material, uma merenda...só chegam atrasados...nunca chegam à escola pra saber...conhecer a realidade de cada aluno..".(Profa. Suzana, Demerval Lobão).

         "Pra melhorar a escola rural...tá faltando muita coisa. A primeira coisa que tinha de acontecer era cada sala fosse uma série...acabasse a multisseriada e outra coisa é que eles (os dirigentes) prestassem mais atenção. Aparecesse de vez em quando alguém mais influenciado...não deixasse  a gente jogado, tomando conta de tudo sozinha. Alguém da secretaria aparecesse, fizesse uma palestra com a gente, conversasse com os alunos da gente...tá faltando muito. Muitos cuidados que eles num têm...nunca tiveram". (Profa. Rosário,José de Freitas).

As estruturas físicas das escolas não dispõem dos espaços necessários ao desenvolvimento das atividades educativas. Em grande parte delas não há sanitário ou locais adequados para a recreação dos alunos. Todas as atividades são realizadas na sala de aula e os materiais didático-pedagógicos são guardados em armário na classe, na casa da professora ou de familiares que moram próximo da escola. Um professor assim se expressa:

                    "Tem lugar por aí que são bem organizado, mas ainda existe aqueles lugar que são difícil. Minha escola é um galpãozinho perto de casa. Ela num tá muito boa. Tá precisando fazer. Eles [dirigentes] dizem assim: a escola pode continuar aqui com os pais e a comunidade se reunindo e fazendo a casinha..." (prof. Justino Almeida, Canto Grande, Altos).

 As carteiras são sempre dispostas em fila ao longo da sala, de frente para o quadro de giz. É comum nas escolas a existência de dois quadros de giz. Este é um recurso importante porque, sendo a grande maioria das classes multisseriadas, permite o professor atender ao mesmo tempo mais de uma série, principalmente, para os exercícios e as avaliações que são copiadas no quadro.
A nova Política Nacional de Educação, através do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e valorização do magistério – FUNDEF1 provocou a substituição de parte de professores leigos por professores com o Curso Pedagógico.

 Os professores leigos com estabilidade foram aproveitados no pré–escolar, na 1asérie, na alfabetização, como auxiliar de classe ou nas funções de merendeira ou zeladora. O concurso público, de um lado, atraiu professores habilitados, mesmo para trabalharem na zona rural, em função da mudança da realidade salarial, não obstante ainda não ter evoluído o desejado e, de outro, gerou pressão das famílias sobre as autoridades para terem professores formados no Curso Pedagógico.

As escolas atendem somente de 1aà 4a séries do ensino fundamental, na grande maioria, multisseriadas. O horário de funcionamento segue a norma oficial de 7:30 às 13:30 e de  13:30 às 17:30 o que não significa que este tempo seja utilizado totalmente com atividades pedagógicas. A tarefa do professor leigo não se restringe às atividades pedagógicas. Eles acumulam funções administrativas, administrativo-burocráticas, pedagógicas e comunitárias. Atribuições de direção, coordenação, supervisão, transporte e armazenamento de materiais e merenda escolar, zeladoria, merendeira, correspondência escolar, resolução de problemas na secretaria municipal de educação, reuniões com os pais, planejamento, ensino, além de eventos, campanhas sociais, efemérides e trabalhos domésticossão algumas das atividades exercidas por ele.

As escolas nem sempre têm de equipamentos necessários mesmo o mínimo para o seu funcionamento e, no entanto, há outros equipamentos como TV e vídeo que não são utilizados para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem.   Tais equipamentos são oriundos de programas nacionais, aceitos pelo estado ou município para poderem receberos recursos, mas após colocá-los em sala de aula há dificuldades de assistência técnica. Ao darem qualquer defeito, permanecem na escola sem nenhuma utilidade pedagógica. As salas de aula têm sempre as paredes cobertas de cartazes, sobre conteúdosa serem ensinados, figuras, desenhos, mapas, etc embora dificilmente os professores os utilizem como material de apoio. São, geralmente, trabalhos feitos pelos professores em treinamentos ou para dar aulas e feitospelos alunos sobre temas de efemérides.

O processo de apropriação de saberes sociais e do cotidiano escolar contribui para a construção de uma competência intelectual e linguística instrumentalizadora  da luta pela inserção social e profissional. Os saberes destas relações do cotidiano escolar criam códigos que estruturamblocos de resistência ao controle exercido pelas normas oficiais que organizam a escola e a impõem saberes e significados determinados para serem disseminados na escola. As práticas pedagógicas construídas por professores leigos estabelecem fronteiras entre áreas de saberes oficiais e do cotidiano escolar, responsáveis, ao mesmo tempo, pela preservação da imagem do professor e de um espaço de saberes pedagógicos pelos quais a escola rural cumpre o seu papel de socializadora da cultura local e universal.

Ao contrário do que, geralmente indicam várias pesquisas sobre a prática pedagógica do professor leigo consideradas reprodutoras e ingênuas, o seu trabalho de sala de aula revela uma multiplicidade de saberes apropriados e reelaborados pela experiência das múltiplas funções a que ele é solicitado a exercer na escola e na comunidade. Por isso, em nível local, ele é de certo modo, valorizado. Com a implantação de Secretarias Municipais de Educação, as ações de controle sobre a escola rural restringiu a função socializadora que a escola urbana, preocupada em responder demandas de mercado, já perdeu há muito tempo; e quando há alguns resquícios disto, são chamadas de atividades extra-classe ou dentro de uma nova terminologia dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs de "temas transversais", que embora tenham uma amplitude maior inclui possíveis espaços sociais e culturais.

Aescola rural ainda conserva esta herança socializadora de que fala Arroyo, (1996), como tarefa curricular através de "conhecimentos, representações, valores, modos de conduta, de vida, hábitos, rituais, símbolos, artefatos e técnicas" (p. 170).  A escola rural ainda é esse espaço de cumplicidade de construção e celebração da história local onde pensar, sentir e agir se aglutinam contraditoriamente em explosões de comemorações da vida cotidiana. Assim, deve-se questionar a ideologia de capacitação docente tão enfatizada nos últimos anos quanto a uma identidade cultural do professor e quanto a seus reflexos na ação docente que possa estar levando a uma assepsia do cotidiano escolar em detrimento de uma escola de vivência e convivência da cultura a partir das tradições locais.

É intrigante refletir sobre como a organização oficial da escola determina, a priori, um tempo para que todos os aluno aprendam determinados conteúdos curriculares, independente de sua herança cultural, biológica e das condições de vida deles. Se não aprende, vai logo incluído no rol dos que apresentam dificuldades de aprendizagem e encaminhado para as chamadas classes especiais.  Isto camufla interesses de exclusão social ou de manutenção desta exclusão escolar e social que implicam, por sua vez, nas questões da igualdade e da cidadania. Tais mecanismos, subliminarmente, tentam fazer os indivíduos acreditarem, como natural, que alguns nascem mais capazes e outros menos e, em decorrência disto, a aceitarem também como natural as futuras posições que eles possam ocupar na sociedade.

Desse modo, a chamada cultura escolar cristaliza no espaço social das práticas pedagógicas um conjunto de múltiplas interações e representações que deságuam em saberes, habilidades e valores, gerando estereótipos sociais que pintam um retrato sem rosto da escola cotidiana viva de relações de troca e de conflitos, em que os sujeitos protagonistas de uma história real, concreta, desaparecem nessas estruturas anônimas da instituição.

Para Arroyo, "a escola não deixa de ser centro de comemoração, de celebração coletiva da memória coletiva, dos saberes, valores, rituais, crenças e dos modos de conduta, se ela não fizer isso perde sua função histórica" (p. 170). A escola concreta, em construção histórica, racionalmente subjetiva, luta contra a escola anacrônica, pré-concebida, mas com força legal para sufocar a escola nascente do cotidiano em busca de liberdade.

5.2.1 - Recreio: Resgatando a infância

O tempo e o espaço do recreio na escola rural têm um sentido particular na vidas de suas crianças. Sente-senos seus semblantes um clima de ansiedade e expectativa por este momento. É comum a preocupação dos alunos, interrompendo a professora e esta usando isso para fazê-los cumprir as tarefas, em delimitar os espaços de sua autoridade e manter a sua representação de alunos, assimilada da cultura escolar, através da atenção e disciplina. Um aluno indaga a mestra: "Professora, vai ter recreio"? Outro aluno: "Professora, que hora vai ser o recreio"? O que ela responde: "Se vocês não fizerem o exercício e não prestarem atenção, vamos ficar aqui...esses que estão conversando vão ficar aqui na hora do recreio...quem não terminar o exercício vai ficar terminando na hora do recreio".

Enquanto os alunos fazem tarefas, a professora vai à cozinha e verifica se a merenda já está pronta, isso em escolas onde há merendeira porque quando não, ela concilia o tempo de exercício com ao preparo da merenda ou da alimentação de sua família, em sua casa,quando mora perto da escola.  Nisto, há uma representação tácita de gênero na divisão de tarefas escolares onde somente nas escolas com professoras ocorre esta cumulação, de papéis docente, administrativo e doméstico, consideradas como naturais uma vez que a escola é apenas mais uma tarefa de mulher naquele contexto. Quando setrata de um professor, há na escola a figura da merendeira, sempre uma mulher; o mesmo ocorre para a função de zeladora. Isso quer dizer que as representações sobre a divisão social do trabalho local tem forte influência na divisão do trabalho no interior da escola.

Ainda sobre o recreio, o que se observa é que mal o professor insinua que está na hora do recreio, os alunosfecham rapidamente os cadernos e livros em meio ao eco de vozes de conversas e saem desordenadamente em direção ao local de distribuição da merenda, que só é distribuída quando o professor chega para ordenar o seu início, após a organização da fila, do menor para o maior, meninos de um lado e meninas de outro.   

Tais rituais, repetidos anos a fio, representam o confronto do quotidiano com as normas institucionais, transmissoras de hábitos e valores que devemmodular a conduta de alunos "rebeldes" para torná-los "educados". Neste aspecto, professores e dirigentes escolares parecem teruma representação da escola tanto comolugar para se aprender os conteúdos disciplinares, como também para aprender a "ser gente", que na linguagem local significa serem obedientes, compreensivos e respeitosos para com os mais velhos e os superiores. Embora a escola seja o lugar privilegiado de transmissão desses saberes, tais representações estão amalgamadas nas relações sociais da tradição dacultura local.

Em primeiro lugar,o recreio representa a satisfação de uma necessidade biológica porque é a hora da merenda que para a maioria, emcertas épocas do ano,  como na entre safra e nos períodos de estiagem, torna-se a principal alimentação do dia; em segundo lugar, é um dos poucos momentos que estes alunos podem viver a sua idade, ser criança, sonhar através das representações que vivem e constroem nas brincadeiras que no seu cotidiano familiar são substituídas por tarefas domésticas e pelo trabalho no campo; é, também uma necessidade psicológica de romper o isolamento e encontrar os colegas, conversar, brincar ou estabelecer conflitos, naturais, no jogo de definição de espaço e posição nas relações sociais que se manifestam, inicialmente, na escola ou de aflorar, através deles, os vínculos de amizade ou animosidade que se dão entre suas famílias e parentes no espaço social local.

O horário de recreio, nas várias escolas pesquisadas, varia entre 20 a 50 minutos, dependendo de haver ou não merenda escolar ou da ocupação doméstica da professora quando reside próximo da escola. A merenda escolar quando há, compõe-se basicamente de leite em pó, suco, biscoito, macarrão e sardinha.  Em algumas escolas quando não há merenda escolar não há recreio A intervenção do professor nas atividades de recreio só se dá, geralmente, para interromper, chamar atenção e, a não ser que haja conflito, meninos e meninas se agrupam por critérios culturais do costume: parentesco, amizade e sexo, independente de idade onde as relações de coeducação também ocorrem por processos informais. As meninas se agrupam para conversar e os meninos para correr e jogar bola.

A escola, mais que necessidade material, social ou cultural, parece ser uma necessidade psicológica para as crianças, adolescentes e jovens. A ausência de lazer e diálogo em casa onde há, geralmente, tarefas determinadas, as crianças aparentam ansiosas para chegar a hora de ir à escola. Lá encontram outras crianças, amigos e poderão conversar e brincar. A escola parece ser concebida como lugar e momento de lazer onde a principal preocupação não é aprender, mas participar de um momento social para compensar a dura rotina de vida de trabalho do campo. A aparente indisciplina parece ser uma expressão da necessidade psicológica de brincar e relacionar-se comos outros.

O tempo de recreio se alonga conforme as atividades extraclasse, administrativa e doméstica que o professor assume.  A organização do tempo do recreio, prescrita em regimentos escolares, não segue regra oficial, sendo determinado não pelo relógio, mas por um processo natural, biológico. Os turnos escolares (manhã e tarde) se definem pelo costume local e pela dinâmica das tarefas. Enquanto o professor urbano tem mais dificuldade de modificar a organização do tempo oficial, elemento essencial para o controle burocrático da escola, o professor leigo, em grande parte, é quem o controla. Isto decorre do fato de que as várias funções burocráticas da escola, de execução e de controle são assumidas pelo próprio professor. Estas características parecem revelar o baixo grau de profissionalização da função docente na escola rural.

Perfil dos Alunos

Os alunos são filhos de agricultores da região, quase sempre moradores ou trabalhadores das fazendas, diaristas ou meeiros. Nesse caso, o trabalho é pago pela partia da produção, geralmente na proporção de uma parte para o trabalhador e quatro partes para o patrão. Observou-se que a frequência do aluno tem relação direta com a merenda escolar. Muitas dessas criançaschegam à escola sem tomar café ou no período da tarde sem terem sido alimentadas suficientemente. É comum nas crianças a subnutrição e verminose. Isso se comprova não só pelas precárias condições de vida de suas famílias, como pela apatia,dificuldade de concentração e deaprendizagem (distorção idade/série) e, ainda, pela defasagem na relação idade/altura. Uma das professoras diz o seguinte a esse respeito:

         "A maior dificuldade que eu sinto aqui, tanto na 2a série, 3a e 4a , são os alunos. Eles são muito fracos... são doentios... faltam muito. Tem criança aqui que passa cinco dias sem pisar na escola. Esse é o maior problema que eu sinto...deles serem fracos...famintos...eu acho que não estou preparada..." (Profa. Rosário, José de Freitas).

A frequência de alunos e professores é sempre interrompida pelas atividades agrícolas, religiosas e folclóricas tradicionais do lugar: plantio, colheita, farinhada, novenas, festas familiares, doenças pessoais, familiares, planejamento e dia de pagamento do salário. Observou-se que as residências dos alunos têm as paredes enfeitadas com retratos de políticos, artistas, figuras de santos, de religiosos mitificados, como o papa, o padre Cícero, frei Damião, calendários, folhas de revistas de fotonovelas, etc. Infere-se que este costume representa uma tradição local que está muito mais ligada ao processo de isolamento cultural dessa população e a uma concepção de residência, reproduzindo as antigas moradias dos patrões. O mesmo sistema se reproduz nas salas de aula, acredita-se por isto que os enfeites não indicam uma preocupação pedagógica, mas assumem um conjunto de significados ligados àstradições familiares para a atividade profissional de ensino e, por outro lado, como uma representação da atuação do professor e da qualidade da escola. Isso deixa boa impressão a visitantes e a coordenadores pedagógicos. A infinidade de cartazes que o professor poderia utilizar como apoio ao processo de aprendizagem dos alunos e através deles explorar conteúdos informativos e de ensino estão totalmente desvinculados da prática pedagógica cotidiana.

A relação de parentesco entre alunos e professores substitui a relação profissional pela familiar onde o tratamento de respeito (senhor, senhora, dona) dá lugar a tia, madrinha. Isso revela o traço familiar da cultura escolar e comunitária, constituindo-se num dos fatores de resistência aos processos administrativos impessoais e em uma herança da cultura de submissão, na qual fazer parte da relação de parentesco ou amizade de lideranças ou autoridades, transfere a elas status e respeito dos demais e quanto maior o grau de relação, maior o acesso aos benefícios  dos espaços sócio–administrativos. Deste modo, os espaços domésticos e escolares se fundem. É comum os alunos levaremà escola não só os irmãos menores, mas até animais de estimação. Isso tem várias implicações de ordem prática e pedagógica, dentre elas, a função dos irmãos mais velhos de cuidarem dos mais novos, permitir à mãe se ocupar dos afazeres domésticos, auxiliar na alimentação dos filhos que merendam na escola. Para o trabalho docente, esta situação cria uma espécie de pré-escolar informal. O professor prepara atividades para estas crianças menores mais para mantê-las ocupadas que para desenvolver nelas alguma habilidade de preparação para a leitura e escrita, embora isso acabe ocorrendo.     

Ainda não temos uma educação do campo e muito menos uma educação de qualidade. A escola, neste contexto de desigualdade e pobreza é a única ideia que destoa da vida rural cuja população ainda luta pela sobrevivência. A escola rural serve menos a formação de uma cidadania capaz de transformar vidas e mais a uma rede de atores lutando para manutenção de poder político. E conômico e social. Neste aspecto, a escola é, apenas, uma miragem de esperança de conquista de Direitos civis, políticos e sociais, considerando-se que o que esta população aprende na escola jamais lhe dará condições em pé de igualdade para participar da competição social.



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1 FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério foi instituído pela Emenda Constitucional No 14, de setembro de 1996 e regulamentada pela Lei 9.424 de dezembro/96, juntamente com o Decreto 2.264 de junho/97. O Programa foi implantado, nacionalmente, em 1o de janeiro de 1998. Sua maior inovação consiste na mudança da estrutura de financiamento do Ensino Fundamental (1a à 8a séries, antigo 1o grau. O Fundo compões, basicamente,de recursos dos próprios estados e Municípios, acrescidos da parcela da União, sendo 15%do FPE- Fundo de Participação dos Estados, do FPM - Fundo de Participação dos Municípios, do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e do IPIexp - Imposto sobre produtos industrializados proporcional às exportações. Os recurso do FUNDEF são distribuídos para capacitação do magistério (40%), conforme Art. 70 da Lei 9394/96 (LDB) e para remuneração do magistério (60%), conforme Resolução 03 de 08.10.97 do Conselho Nacional de Educação. As implicações do FUNDEF no Ensino Fundamental se concretiza através  da participação da comunidade nos Conselhos de Acompanhamento da execução do Programa; da profissionalização da carreira docente, através dos planos de carreira, capacitação, melhores salários e melhores condições materiais e de trabalho (aspectos físicos dos prédios, equipamentos, acervo bibliográfico, geração de empregos em função das operações de construção e compra de materiais, manutenção de transporte escolar e, em consequência de tudo isso, a universalização do acesso à escola e melhoria da qualidade do educação escolar.

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