segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016


PROFESSOR LEIGO (Não qualificado): CONCEPÇÃO, REALIDADE E NEGAÇÃO DE DIREITOS À EDUCAÇÃO E À PROFISSÃO

LAY TEACHER ( not qualified) : DESIGN , REALITY AND DENIAL OF RIGHTS EDUCATION AND PROFESSION





José Ribamar Tôrres Rodrigues
Doutor em Educação pela USP
Mestre em Educação pela PUC/SP
Estágio em Formação de Professores no IUFM de DOUAI/ França
Estágio em formação de Professores em CUBA
Ex-Membro do Conselho Estadual de Educação/PI
Coordenador do Fórum Estadual de Educação
Membro do Banco de Avaliadores do MEC/INEP.

José Ribamar Rodrigues Tôrres
PhD in Education from USP
Master in Education from PUC / SP
Internship in Teacher Training in the IUFM of DOUAI / France
Stage for Teacher training in Cuba
Former member of the State Board of Education / PI
Coordinator of the State Education Forum
Member of Appraisers Bank MEC / INEP.
E-Mail: jrib.torres@gmail com
Tel (86) 99415-9958





Uma revisão dos trabalhos produzidos sobre o professor leigo permitiu constatar uma escassez de estudos sobre este tema aqui no Brasil. As políticas educacionais oficiais, contidas na legislação, nos planos de desenvolvimento e planos setoriais ao longo deste século no Brasil, em relação ao problema do professor leigo, não tiveram os resultados esperados, sendo estes comprometidos pela pouca eficiência das políticas econômicas e sociais.  Embora algumas referências e ações pontuais tenham sido executadas, somente a partir da Lei 5.692/71 e do III Plano Setorial de Educação Cultura e Desportos (III-PSECD-80/5), houve uma ação mais concreta de Governo neste campo. Assim, a revisão da literatura aqui apresentada situa o problema em três pontos: as tendências da pesquisa educacional sobre o tema do professor leigo, os estudos sobre saberes e prática docente e pesquisas que abordam aspectos de política educacional e de formação docente.



A review of the work produced on the lay teacher allowed note a lack of studies on this topic in Brazil. The official education policy , contained in the legislation , development plans and sectoral plans throughout this century in Brazil , in relation to the problem of lay teacher , did not have the expected results , which are jeopardized by the low efficiency of economic and social policies. Although some references and specific actions have been performed , only from the Law 5.692 / 71 and the Third Sector Plan for Culture and Sports Education ( III- PSECD - 80/5 ), there was a more concrete action from the Government in this field. Thus, the literature review presented here lies the problem in three points: the trends of educational research on the topic of lay teacher , studies on knowledge and teaching practice and research that address aspects of education policy and teacher education.

Un examen des travaux réalisés sur le permis enseignant laïc noter un manque d'études sur ce sujet au Brésil . La politique de l'éducation officielle , contenue dans la législation , les plans de développement et les plans sectoriels au long de ce siècle, au Brésil , en relation avec le problème de l'enseignant laïque , n'a pas eu les résultats escomptés , qui sont mis en péril par la faible efficacité des politiques économiques et sociales . Bien que certaines des références et des actions spécifiques ont été effectuées , qu'à partir de la loi 5.692 / 71 et le Plan Troisième Secteur de la culture et de l'éducation sportive ( III - PSECD -80 / 5) , il y avait une action plus concrète du gouvernement dans ce domaine . Ainsi, la revue de la littérature présentée ici que réside le problème en trois points: les tendances de la recherche pédagogique sur le thème de l'enseignant laïc , les études sur la pratique et la recherche des connaissances et de l'enseignement qui traitent d'aspects de la politique de l'éducation et de la formation des enseignants .

Una revisión de la obra producida en el maestro laico permitido en cuenta la falta de estudios sobre este tema en Brasil. La política educativa oficial, que figura en la legislación , los planes de desarrollo y los planes sectoriales largo de este siglo en Brasil , en relación con el problema del maestro laico , no tuvo los resultados esperados , los cuales se pusieron en peligro por la baja eficiencia de las políticas económicas y sociales. Aunque se han realizado algunas referencias y acciones específicas , sólo de la Ley 5.692 / 71 y el Plan Tercer Sector de Cultura y Educación Deportes ( III- PSECD -80 /5) , hubo una acción más concreta del Gobierno en este campo. Por lo tanto, la revisión de la literatura que se presenta aquí está el problema en tres puntos : las tendencias de la investigación educativa sobre el tema de maestro laico , los estudios sobre el conocimiento y la enseñanza práctica y la investigación que abordar los aspectos de la política educativa y la formación del profesorado .

Una revisione del lavoro prodotto sul insegnante laico permesso di notare una mancanza di studi su questo argomento in Brasile. La politica dell'istruzione ufficiale , contenuta nella legislazione , i piani di sviluppo e altri piani settoriali nel corso di questo secolo in Brasile , in relazione al problema di insegnante laico , non ha avuto i risultati attesi , che vengano messi in pericolo dalla scarsa efficienza delle politiche economiche e sociali . Anche se sono stati effettuati alcuni riferimenti e azioni specifiche , solo dalla Legge 5.692 / 71 e il Piano Terzo Settore Cultura e istruzione Sport ( III - PSECD -80 / 5) , c'è stata una azione più concreta da parte del governo in questo campo . Così, la revisione della letteratura presentata qui sta il problema in tre punti : le tendenze di ricerca educativa sul tema di insegnante laico , studi sulla conoscenza e la pratica di insegnamento e di ricerca che affrontare gli aspetti della politica dell'istruzione e della formazione degli insegnanti.


Ein Überblick über die auf dem Laienlehrererlaubt erzeugten Arbeit beachten Sie einen Mangel an Studien zu diesem Thema in Brasilien. Die offizielle Bildungspolitik , in der Gesetzgebung, Entwicklungspläne und sektorale Pläne in diesem Jahrhundert enthalten in Brasilien, in Bezug auf das Problem der Laienlehrer, hatte nicht die erwarteten Ergebnisse , die durch die geringe Effizienz der Wirtschafts- und Sozialpolitik gefährdet werden. Obwohl einige Referenzen und spezifische Maßnahmen durchgeführt worden sind , nur aus dem Gesetz 5,692 / 71 und den Dritten Sektor Plan für Kultur und Sport Bildung (III- PSECD -80/ 5) , gab es eine weitere konkrete Maßnahmen von der Regierung in diesem Bereich. Somit ist die Literaturrecherche hier präsentierten liegt das Problem in drei Punkte : die Trends der Bildungsforschung zum Thema Laienlehrer, Studien über Kenntnisse und Unterrichtspraxis und Forschung, die Aspekte der Bildungspolitik und der Lehrerbildung anzugehen.

Обзор работы производятся на мирян учителя позволило отметить отсутствие исследований по данной теме в Бразилии. Официальная политика образования, которые содержатся в законодательстве , планах развития и секторальных планов в течение этого века в Бразилии , в отношении к проблеме планировки учителя , не имеют ожидаемые результаты, которые поставили под угрозу низкой эффективности экономической и социальной политики . Хотя некоторые ссылки и конкретные действия были выполнены , только от закона 5,692 / 71 и третьего плана сектора культуры и спорта образования ( III- PSECD -80 /5) , было более конкретные действия со стороны правительства в этой области. Таким образом, обзор литературы , представленные здесь кроется проблема в трех точках : тенденции педагогических исследований на тему планировки учителя , исследования знаний и практики преподавания и научных исследований , которые касаются аспектов политики в области образования и педагогического образования .
Obzor raboty proizvodyatsya na miryan uchitelya pozvolilo otmetit' otsutstviye issledovaniy po dannoy teme v Brazilii. Ofitsial'naya politika obrazovaniya, kotoryye soderzhatsya v zakonodatel'stve , planakh razvitiya i sektoral'nykh planov v techeniye etogo veka v Brazilii , v otnoshenii k probleme planirovki uchitelya , ne imeyut ozhidayemyye rezul'taty, kotoryye postavili pod ugrozu nizkoy effektivnosti ekonomicheskoy i sotsial'noy politiki . Khotya nekotoryye ssylki i konkretnyye deystviya byli vypolneny , tol'ko ot zakona 5,692 / 71 i tret'yego plana sektora kul'tury i sporta obrazovaniya ( III- PSECD -80 /5) , bylo boleye konkretnyye deystviya so storony pravitel'stva v etoy oblasti. Takim obrazom, obzor literatury , predstavlennyye zdes' kroyetsya problema v trekh tochkakh : tendentsii pedagogicheskikh issledovaniy na temu planirovki uchitelya , issledovaniya znaniy i praktiki prepodavaniya i nauchnykh issledovaniy , kotoryye kasayutsya aspektov politiki v oblasti obrazovaniya i pedagogicheskogo obrazovaniya 

1.Tendências da pesquisa educacional sobre o professor leigo

Sônia de Vargas(1995) aponta duas correntes principais de pesquisa educacional no Brasil. A primeira prioriza as relações entre educação e movimentos sociais, numa perspectiva sócio-política e econômica. A segunda compõe-se de trabalhos voltados para a compreensão da aquisição e transmissão do saber. Os estudos apresentados nesta revisão, sobre o tema do professor leigo, evidenciam aspectos relacionados à formação, à prática em sala de aula, à prática sócio-política, à representações sócio-educacionais, à caracterização sócio-histórico-econômica e legal.


1.2 - Saberes e prática docente

            Nos últimos anos, a questão dos saberes tem ocupado espaço no âmbito da pesquisa educacional embora enfatizem os saberes sociais e os saberes curriculares.  Os estudos sobre a aquisição e transmissão dos saberes são raros, dentre eles podem ser mencionados, Therrien, Simoni (1991), Caldeira (1993), Tardif, Gauthier, Lessard & Lahaye (1991 e 1996). Observa-se uma tendência crescente de pesquisas nesta área no Brasil com maior vigor na Europa e nos Estados Unidos. É importante ressaltar que os estudos sobre saberes não enfocam, necessariamente, o professor e muito menos o professor leigo e rural. Quando o fazem, analisam os saberes que o constitui como agente político e social, nos quais os saberes escolares e profissionais aparecem como elementos de referência para a compreensão do problema contextual sem, contudo, evidenciar especificamente o professor e seus saberes no âmbito escolar.

Os estudos de Maurice Tardif e Clermont Gauthier (1991 e 1996) sobre saberes docentes, embora não relacionados à prática do professor leigo, fornece dados gerais valiosos como auxiliar na  sua discussão e sua compreensão  na atividade pedagógica de sala de aula do professor leigo, foco central deste trabalho. Dentre os trabalhos desses autores, a pesquisa sobre o “Saber profissional dos professores (fundamentos e epistemologia)" integram os diversos projetos de pesquisa do Grupo de Pesquisa Interuniversitário sobre os Saberes e a Escola (GRISÉ), desenvolvidos na Universidade de Laval (Canadá) desde 1991.  Este grupo de pesquisa faz parte do “Centro de Pesquisa sobre a Formação e a Profissão Docente(CREFPE)” e estuda as transformações que afetam os saberes na sociedade e suas conseqüências sobre a escola e sobre os profissionais do ensino: professores e especialistas. Estes autores centram suas pesquisas nos saberes referentes ao trabalho cotidiano, à formação docente, à competência,  à identidade profissional, à evolução da carreira docente e à experiência profissional, evidenciando a natureza e a origem destes saberes para determinar qual a base de conhecimento do professor.  Seus estudos deste grupo são orientados por diversos princípios, dentre os quais: o saber docente é composto por vários saberes oriundos de diversas fontes e produzidos em contextos institucionais e profissionais diversos; o saber docente é um saber que evolui; o saber docente está intrinsecamente ligado a outros componentes da escola; o saber docente só pode ser compreendido em relação com o contexto de exercício da atividade docente; o saber docente é determinado pela natureza interativa do trabalho do professor como um produtor de significados para diferentes saberes.

Para eles, os saberes docentes compõem-se de saberes curriculares, disciplinares, profissionais, culturais e da experiência.  Os saberes curriculares são determinados pelos especialistas em currículo, pelo ministério da educação e por outros órgãos formuladores e controladores de políticas educacionais e se integram à prática docente, através dos programas escolares. Os saberes disciplinares são originários da comunidade científica e universidades e são incorporados à prática docente por meio das disciplinas ensinadas e pela formação didático-disciplinar. Os saberes profissionais são provenientes das faculdades de educação e teóricos da pedagogia. Os saberes culturais têm origem nas instituições culturais e escolar e são introduzidos  na prática do professor pela história escolar e instituições culturais. Os saberes da experiência, formados de todos os demais, são elaborados no curso do trabalho docente, construídos no processo interativo e inseridos através da prática profissional.

Nesse sentido, Anna Maria Caldeira(1993), em sua tese de doutorado sobre “La practica docente cotidiana de una maestra y el processo de apropriación e construcción de su saber”, defendida na universidade de Barcelona, analisa a prática de uma professora de 5a série, de vinte anos de trabalho, de uma escola pública de ensino geral básico de Barcelona, durante o período de setembro/91 a junho/92. O estudo teve como objetivo descrever e analisar a prática docente cotidiana e reconstruir o processo de construção de seu saber(p.6).

A autora ressalta a importância dos saberes construídos pela professora no cotidiano escolar, quanto aos aspectos históricos, sociais e aos da prática pedagógica bem como das condições materiais da escola, determinantes desta prática. Ela aponta algumas conclusões, dentre as quais, as de que o professor, na sua prática quotidiana, produz um saber valioso.  Esta prática docente é histórica e social; saberes e práticas construídos na escola decorrem de um processo de reflexão coletiva.  As condições materiais e institucionais podem facilitar ou limitar a prática docente. De muita importância para a presente pesquisa fora as questões que ela  apresenta ao final de seu trabalho: Como se dá, na escola, o processo de socialização de saberes e práticas?  Em que situações (formal/informal) ocorrem?  Como se incorporam à prática docente  os saberes transmitidos nos cursos de formação inicial e continuada?  Qual a natureza do saber docente implícito na prática cotidiana?  Como se dá o processo de construção das práticas e saberes dos docentes com experiência e dos iniciantes? Como os docentes transformam os saberes  teóricos em saberes prático-teóricos?

Com relação a isso,  Maria Luisa Simoni(1991),estuda parte das preocupações de Caldeira com relação a construção e formação na  prática, em a “Construcción y circulación social de recursos docentes en primer grado”.  A pesquisa fez parte do projeto de investigação dos processos de formação docente na prática escolar do Departamento de Investigações Educativas do Centro de Investigações e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional do México. O objetivo da pesquisa foi o de analisar as condições e os recursos que os professores iniciantes ou com pouco tempo de trabalho usam no primeiro ano da escola mexicana.  O estudo considera que a formação do professor ocorre, em grande parte, na prática escolar cotidiana.

A autora aponta a atividade coletiva extra classe como espaço de construção do trabalho pedagógico, descrevendo em que condições o professor atua e destacando a necessidade de diversos tipos de recursos para o ensino da leitura e da escrita, o que torna complexo o exercício docente.  Ressalta, ainda, a "rede de relações” construídas pelos docentes na fase de suas experiências iniciais na escola, analisando o processo de escolha e utilização dos livros-texto pelos professores e a freqüência de usos específicos de materiais e estratégias legitimadas pela experiência coletiva na qual se geram práticas heterogêneas.  A autora evidencia a importância das construções coletivas como produto das experiências e ações coletivas dos professores situados em contextos semelhantes.(p.121).  Em suas conclusões Simoni propõe alguns temas para futuras pesquisas, quais sejam, os usos dos livros de texto no primeiro grau; que formação teórica trazem os mestres vindos de escolas privadas com relação ao ensino da leitura e da escrita; as estratégias de trabalho como recursos na formação de professores na prática escolar; o movimento sindical dissidente e o programa de modernização educativa e os conteúdos formativos das atividades extra classe como parte de processos sociais ideológicos .


1.3 - Políticas educacionais e formação docente

A posição residual do tema professor leigo, nos fóruns e debates oficiais e na literatura científica, revela uma forma de ocultação do problema no sistema educacional brasileiro, tanto pela política educacional oficial quanto pelos intelectuais do campo. Em estudo anterior (Rodrigues, 1985) teve-se oportunidade de estudar as concepções e práticas do  professor leigo rural do Piauí de 1a à 4a séries do ensino fundamental, mediante o recurso das histórias de vida, de observações de sala de aula e de análise documental,  mostrando que embora tenham sido executados, em nível nacional, alguns programas como o Pedagógico Parcelado, o Projeto Logos I e Logos II, a solução da questão do professor leigo não passou do campo das intenções. Otaíza Romanelli,(1980) é aí citada para evidenciar que este fenômeno não é uma característica das últimas décadas, mas de toda a trajetória  educacional brasileira, principalmente a partir do momento em que os jesuítas deixaram o país, no período colonial e o ensino foi assumido por mestres-escola, recrutados entre aqueles que haviam estudado nos seminários da companhia de Jesus. Estes mestres-escola, destinados às “aulas régias”, introduzidas pelas reformas Pombalinas do período colonial, constituíram-se nos continuadores da obra educacional daqueles religiosos.

O fenômeno do professor leigo no sistema de ensino  torna-se, assim, uma preocupação mais evidente quando se cria a primeira escola normal do Brasil e da América Latina em 1830, em Niterói, de acordo com Romanelli. Dentre outras ações que revelam esta preocupação, destacam-se a promulgação do decreto-lei 877/46 que instituiu o exame de suficiência, pelo qual o professor leigo era aceito legalmente no sistema educacional brasileiro, sob a denominação de professor autorizado;  e a criação da escola Normal de Juazeiro do Norte, Ceará, em 1943, considerada a primeira experiência brasileira para a habilitação deste profissional na zona rural.  Embora , com a ruralização do ensino a partir da década de trinta, tenham surgido cursos especiais Normais para professores leigos, a experiência de escola normal rural não deu os resultados esperados, segundo Maria José Werebe (1963, p. 221), porque “só um terço dos que ali se formavam, permaneciam no campo”.

Analisam-se, ainda, nesse trabalho (Rodrigues, 1985) o advento das leis orgânicas do ensino primário, normal e secundário, após o Estado Novo do período Getúlio Vargas; a implantação do PAMP (Programa de Aperfeiçoamento do Magistério Primário) em 1953, pelo governo federal; a implantação das leis de ensino 4.024/61, a lei 5.692/71, III Plano Setorial de Educação Cultura e Desportos (1980-5), que estabelecia linhas de políticas de educação rural e defendia a ação conjunta de vários setores sociais, inclusive a universidade, para enfrentar os desafios educacionais do campo.

Este autor contextualiza os dados sociais e educacionais do período monárquico e republicano, mediante análise dos movimentos de luta da população pela escola pública e dos movimentos políticos, como o socialismo, o anarquismo, o nacionalismo, o ruralismo, o tenentismo, o integralismo e o modernismo. Além disso, analisa os fatos econômicos e sociais refletidos pela decadência da classe aristocrática do café e a formação de uma nova classe mercantil da qual vai surgir a classe ligada à industrialização e, em conseqüência,  a classe do proletariado industrial, o processo migratório do campo para a cidade, provocando alterações sócio-econômicas e políticas na sociedade brasileira, em contraposição às questões do analfabetismo e da profissionalização.

Por fim, este autor propõe algumas alternativas para melhoria da atuação do professor leigo. Dentre outras, a capacitação permanente, a melhoria das condições de trabalho, implantação de planos de carreira, organização sindical dos professores, a mudança do enfoque burocrático do trabalho dos supervisores para o papel de formadores, atuação conjunta de União, Estados e Municípios com vista à implantação de medidas para a valorização do magistério rural, principalmente a qualificação profissional e a melhoria das condições salariais e de trabalho.

Para ilustrar estes aspectos históricos, segundo José Martins Alencastre (1981), o estado do Piauí “foi a última das províncias a receber o benefício da instrução pública que até 1814 era ministrada por particulares inabilitados”.  “A Instrução Pública no Piauí”(Piauí, estado,1922, p. 48), registra que “embora a escola pública houvesse sido criada  por decreto desde 1815, somente em 1825 foram instaladas três escolas oficiais; uma na cidade de Oeiras, outra  em Parnaíba e outra em Campo Maior, tendo fracassado porque  não havia quem pudesse lecionar”.  O mesmo ocorreu com a escola normal criada pela Lei Provincial 565 de 1864 que foi extinta por falta de professores habilitados, sendo reimplantada somente em 1910.

O relatório da Comissão nomeada pelo governo  para estudar os problemas educacionais do estado em 1921, diz:

         “(...) devíamos ter começado pelo principal, criando professores antes de tornar obrigado o ensino”. Exemplificando o estado de abandono das escolas, o mesmo documento informa que “uma professora do interior, inteiramente analfabeta, percebeu durante muitos anos os vencimentos do cargo, considerado pelo marido como um achego[sic!] em retribuição a serviços políticos anteriormente prestados”(p.48).  
         
Os documentos oficiais expressam contradições da política educacional (Rodrigues, 1985);  enquanto dão relevo ao fato de grandes somas de recursos sejam transferidos para projetos rurais, as condições de trabalho e de salário do professor leigo rural não se alteram significativamente, significando “a falta de uma vontade política de mudança efetiva”( Elba de Sá Barreto, 1983, p. 14).

 A política do MEC, na época, de participação comunitária, reforçava o processo de decadência da educação rural como registra ângela Therrien (1983, p.144);bem como aspirações, prática pedagógica e social e o trabalho pedagógico em classes multisseriadas são preocupações registradas no trabalho de Sônia Ferreira (1975), ressaltando que a metade dos professores rurais por ela pesquisada aspiravam a profissões diferentes da de magistério (p.107). Nesse sentido, Pinheiro (1970), ressalta a importância do professor como elemento chave no processo educativo e que o fenômeno do docente leigo determina graves repercussões na produtividade da escola, com sérias  implicações nas perspectivas de mudanças pedagógicas e sociais; além de reduzir o status do professor reforça a crença de que "qualquer educação é um bem"(p.52). Além dessa importância pedagógica evidenciada acima, Fernando Spagnolo(1979) reafirma a importância do trabalho do professor "para a organização e funcionamento da escola" uma vez que as escolas rurais são, em geral, desprovidas de diretora; isto dá ao professor poder nas atividades pedagógicas (currículo), de controle ou ordem ("disciplina") e de direção ("administração"); (p.75).

Desse modo, sua tese de livre docência, versando sobre a “Formação da Professora Leiga”, Ozir Tesser, da Universidade Federal do Ceará (1992), faz uma revisão crítica de vários trabalhos sobre o problema de formação do professor leigo no Brasil, especialmente sobre o Projeto Logos II (pedagógico via metodologia personalizada) implantado nacionalmente pelo Ministério da Educação, a partir de 1976, e que continuidade ao Projeto Logos I, projeto piloto que havia qualificado professores leigos em nível de 5a à 8a séries. O autor apresenta várias observações sobre a revisão da literatura a respeito deste tema. Para ele, alguns estudos têm a preocupação fundamental de “configurar a problemática geral da professora leiga”, situando o projeto Logos II  como superação do problema. Outros, enfatizam a eficácia desse Projeto em relação a outro programas de formação docente. Segundo este autor, “todos os trabalhos relacionados ao tema, contidos naquela revisão, apontam  que este problema está vinculado a causas pedagógicas, sugerindo soluções fundadas na “boa vontade” ou na “competência administrativa”, embora alguns deles discutam  problemas político-estruturais e apresentem soluções, relacionando medidas pedagógicas à medidas de caráter político.

Com relação a isto, Tesser afirma que todos os trabalhos apontavam o Projeto Logos II como solução para a formação da professora  leiga e, apenas, um único autor defende a formação em nível de 1o grau, questionando que a maioria dos professores não podiam cursar o 2o grau porque tinham apenas as séries iniciais do ensino fundamental. Tal análise, pelo que se observa,  não levou em conta que a legislação da época (5.692/71) na área de ensino supletivo, no caso o Projeto Logos II (suplência profissionalizante) prescrevia a não obrigatoriedade da seqüência de graus, tendo em vista o aproveitamento de saberes adquiridos ao longo da experiência profissional.

Tesser aponta que os trabalhos revisados falham quando não “examinam o mérito da matriz teórica puramente behaviorista do Projeto Logos II, embora recriminem o seu caráter técnico-burocrático”(p. 113).  Para esse autor, há “uma atitude conformista senão elogiosa com relação à natureza do programa e à sua metodologia, dita inovadora, de ensino individualizado/programado”(p.113). Ele afirma que estes trabalhos ignoram a gravidade dos limites da técnica instrucional, aprovando a metodologia pelo caráter de treinamento em serviço.

  Os estudos voltados para os conteúdos dos módulos, diz Tesser, enfatizam análises com base em pressupostos tecnicistas, adequação curricular a especificidades regionais ou individuais e não “em função do rigor científico e muito menos da visão de mundo, de história ou de sociedade que veicula” (p.113). Tesser analisa, ainda, uma série de artigos publicados pelo INEP  no “Em Aberto”, enfatizando a explicação insistente de tais artigos de que “a problemática da professora leiga não é basicamente uma questão técnico-pedagógica ou administrativa, mas político-cultural” (p. 116). Por fim, ele conclui que apesar da “implicações políticas, sociais e econômicas” a questão da professora leiga não ocupa lugar de importância “na produção científica e cultural quanto à explicação do problema e à elaboração de propostas alternativas de superação em função da “construção de uma escola digna” (p.116).

Percebe-se que o trabalho de Tesser põe como ponto central do problemas da formação da professora leiga, a avaliação crítica dos estudos realizados por alguns educadores sobre a experiência do Projeto Logos II, mas vale ressaltar que este projeto foi, apenas, um dos inúmeros programas de formação de professores leigos, implantados no país nas décadas
de setenta e oitenta.2 Além disso, somente uma visão ampla do contexto de época onde se deu essa experiência, seria capaz de fornecer uma compreensão e uma elaboração crítica mais próxima da realidade. Um  fato observado na pesquisa de campo desta tese é uma crescente preferência dos pais pelo profissional masculino. É provável que isto se explique pelo fato do professor introduzir, de modo mais incisivo no trabalho pedagógico, algumas práticas não comuns entre as professoras, quais sejam o controle da disciplina, a relação mais formal de respeito e menos familiar, maior independência  do  homem  nas  decisões  de  sala  de  aula em relação à comunidade e às normas emanadas da hierarquia superior. Observou-se, ainda, uma dificuldade dos pais, em geral, em controlar a conduta  dos filhos e, como na vida familiar o pai é o chefe, parece que  os papéis de pai e de professor na sala de aula se fundem.

Outro aspecto em relação ao trabalho de Tesser, diz respeito à não apresentação de propostas alternativas de “superação para a construção de uma escola digna”, como ele mesmo expressa em sua conclusão final, não obstante haver elaborado uma consistente avaliação crítica e constatado a posição marginal do tema  professor leigo na produção científica brasileira.

Com relação a isso, o trabalho de Maria Cecília Abras(1988), sobre A influência da habilitação em serviço  na prática do/a professor/a leigo/a”, discute as políticas de capacitação da professora leiga no Brasil e em outros países. O objetivo foi  o de “analisar o impacto de um curso de capacitação docente, em serviço, na prática pedagógica da professora leiga” (p.15). A autora teve como expectativa “mostrar a importância de voltarmos a colocar em foco as discussões sobre as professoras leigas”(p.15), bem como contribuir para a formação desse profissional. Embora discuta a formação de professoras  leigas em nível de licenciatura, ela elabora uma revisão da literatura sobre esse profissional, a partir de sua atuação nas primeiras séries do ensino fundamental.   Como em outros estudos já citados, a autora constata tanto a carência de pesquisas sobre o assunto quanto a pouca importância dada a este tema pela produção acadêmica, principalmente nas duas últimas décadas

Por outro lado, Abras questiona se  os cursos emergenciais em seu conteúdo e forma estão levando em conta as características da clientela que já se encontra inserida no mercado de trabalho. Aponta como deficiências dos programas emergenciais de formação, dentre outras, a tendência de excluir a possibilidade de ter a fala e as aspirações destas professoras como fonte de dados para enriquecer o processo de formação; a pouca importância dada às diversas concepções e significados que permeiam o trabalho pedagógico nesta transição de professor leigo para professor habilitado; as condições desfavoráveis para o desenvolvimento das atividades do curso e para a construção de espaços de reflexão crítica que levem os professores a compreender seu trabalho e suas dificuldades e relacioná-las a uma estrutura político-democrática e de  intercâmbio com outras realidades, evitando-se as receitas(p. 115). Por fim, após analisar o impacto dos cursos emergenciais na prática pedagógica de professores, aponta indícios de que tais cursos lhes tenham possibilitado as condições de reflexão e discussão críticas sobre sua prática na sala de aula.

Um aspecto que merece registro nas análises de Abras, diz respeito a avaliação sobre o Projeto Logos II. Com base em dados de 1973, Abras, aponta 209.121 professores leigos no Brasil, representando 30% do total dos professores de 1 à 4a séries do ensino fundamental. Já em 1983, havia 238.406 docentes leigos, representando 26% do total de professores de 1a à 4a séries no país. Considerando que o Projeto Logos II atuava neste período na formação de professores leigos em todo o Brasil, a autora conclui que  “a eficiência deste projeto foi quase insignificante”(p. 31).

É necessário lembrar que não é raro, em trabalhos acadêmicos, referências críticas às experiências de formação de professores executadas ou em execução, sem o devido cuidado de considerar o contexto sócio-econômico e político no qual elas acontecem ou aconteceram.  A  avaliação de resultados de programas de formação de docente leigos, no Brasil, tem incorrido nesta falha, redundando em viés de análise, visão parcial do problema e até na distorção na explicação dos fatos. Isto pode ser constatado na pesquisa de Abras, de considerar insignificantes os resultados do  Projeto Logos II em função do baixo índice de formandos e no aumento de professores leigos no mesmo período, reforçando o mesmo equívoco de outros estudos.

É preciso, ainda, considerar fatores históricos que na época em análise(1973/83) inviabilizavam este e outros projetos a alcançarem as metas propostas. Dentre tais fatores, vale ressaltar as precárias condições nas relações de trabalho dos professores leigos, refletidas na ausência de concurso público, de plano de carreira e até de contrato de trabalho.  A criação de escolas, a contratação e demissão de professores leigos não obedeciam a nenhum critério legal, restando esta decisão geralmente ao prefeito, através de práticas de clientelismo e de empreguismo, em vigor até hoje, embora com muito menos intensidade desde a implantação do Fundo Nacional  de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).  Antes, a cada novo prefeito, os professores de outra corrente ideológica, mesmo habilitados, eram demitidos em massa e substituídos, por outros leigos.  Esta prática comprometia os resultados dos projetos destinados a formação dos profissionais leigos e as perspectivas de mudança dos problemas da escola rural.

Desse modo, analisando o processo social mais amplo no qual se inserem as políticas educacionais e a formação docente, Jacques Therrien (1991), em artigo sob título de “A Professora Leiga e o Saber Social”, aborda o problema no âmbito das relações sociais e de produção no campo a  partir de três aspectos: “a luta contra a expropriação da produção camponesa”, inserida nas lutas por “uma política agrícola que garanta retorno financeiro justo e a liberdade em relação às dívidas do financiamento da produção”; “contra a expropriação da terra” como luta principal dos movimentos sociais;  e luta contra a exploração do trabalho assalariado no campo, “uma nova fase da questão agrária”(p.14). Com base nestes princípios, o autor reconhece que a educação é parte de outras práticas sociais dos movimentos da sociedade civil, submetendo a compreensão  da prática educativa da professora leiga às concepções de trabalho e de escola onde ela constrói e sistematiza o saber, elaborando “sua experiência e sua visão de mundo”(p.15).

O autor utiliza-se de conceitos marxistas e gramscianos como: senso comum, consciência crítica, princípio educativo, trabalho produtivo, intelectuais orgânicos e hegemonia para defender uma proposta de educação para os trabalhadores, caracterizada pela articulação de saberes científicos e saberes alternativos, gerado pelos movimentos sociais, como forma de superação da ingenuidade teórica e a aquisição de uma consciência crítica (p.18). Essa proposta de educação, do autor, condiz com a visão marxista de “escola politécnica”, ou seja, um currículo que proponha a formação para o trabalho, a aquisição de  saberes científicos universais e promova o desenvolvimento físico e o adestramento político.

Por fim, Therrien considera que o princípio educativo do trabalho e o princípio político da educação estão contidos nas “relações sociais de trabalho e nas relações sociais de produção”, tanto como “fonte básica de produção de saber”(p.22) quanto como fundamento essencial do processo de formação do professor leigo. Ele defende a articulação do saber científico e de saberes alternativos, atribuindo uma dimensão sócio- política às funções do professor leigo e da escola rural como agente de práxis social na construção de uma consciência crítica e coletiva na organização de a outras categorias profissionais. O autor enfatiza saberes necessários a atuação sócio-política da professora leiga numa perspectiva de transformação das condições de trabalho e de vida do meio rural, concebendo a escola como espaço para a sistematização destes saberes.

  Ao colocar a professora leiga como agente de luta, o autor parece ignorar que ela é parte do mesmo sistema de relações de poder, fundado em um conjunto de valores culturais, econômicos, políticos e de gênero que determinam as posições e os espaços de cada  agente nesse contexto, no qual a consciência crítica e a organização de classe não parecem suficientes para promover mudanças radicais no campo.

Evidenciando esse processo de evolução histórica, Maria Teresa Amaral (1986), em sua dissertação sobre Políticas de Habilitação de Professores Leigos: a dissimulação da inocuidade,  transformada em artigo publicado In Cadernos SENEB (1991), analisa, a partir  da década de vinte, as políticas de habilitação de leigos de 1a à 4a séries do ensino fundamental, enfatizando os “determinantes sociais” responsáveis pelo fracasso das mesmas, com base em documentos técnicos, da legislação pertinente e de dados estatísticos.  Além disso, indica estudos que examinam os problemas sócio-econômicos e políticos presentes na evolução da sociedade brasileira e mineira, especialmente da área rural e nas relações com o sistema educacional, mormente nos programas de formação de professores leigos.

A autora destaca três questões estruturais que, segundo ela, favorece a permanência de professores leigos no sistema educacional, quais sejam : “o modelo econômico” determinante da política de distribuição da terra"; “os estilos” de administração política, característica das áreas rurais e, a “necessidade” de manutenção de professores leigos no sistema de ensino(p.38). Ela mostra que os programas de formação de professores leigos não levam em consideração as características geográficas, humanas, culturais e econômicas da zona rural, nem tão pouco a prática pedagógica destes professores, tornando-se portanto, inócuos dos pontos de vista pedagógico, político e estatístico.

Ao, analisar a proposta de formação de professores leigos do Projeto Logos II, Amaral aponta tanto sua desvinculação com a realidade destes professores quanto a utilização acrítica dos conteúdos estudados e cujas observações também constam no trabalho de Marli André e Vera Candau (1981).  Amaral diz, com base em Gaudêncio Frigotto(1980), que “a semelhança do nível sócio-econômico entre professor leigo e aluno favorece a aprendizagem, principalmente onde o professor pertence à mesma comunidade, nesse caso, o professor leigo leva vantagem sobre o professor habilitado”(p.57).  Para esta autora, os programas de habilitação de professores leigos caracterizam-se pela prática pedagógica reprodutivista , conclusão apontada também por José Martins(1982) que pesquisou escolas de 1a à 4a séries com professores habilitados pelo Logos II e com professores não habilitados, mostrando que eles reproduziam os “esquemas de ensino”(p.57) que haviam aprendido, tendo constatado o mesmo nos demais programas analisados, embora reconhecendo o “abandono e o conformismo” nos quais estas práticas ocorrem

Dentre outros aspectos comuns entre estes programas, ela indica: a desvinculação teoria-prática; inexistência de acompanhamento pedagógico do professor leigo; descontinuidade destes programas; dispêndio financeiro por parte destes professores e as precárias condições de realização destes cursos, afastando-os da realidade do professor.  A autora atribui a inocuidade destas políticas de formação de professores leigos a fatores conjunturais que extrapolam o plano setorial.  Ela vincula essa inocuidade aos processos de expansão econômico-educacional e às práticas políticas orientadas pelo clientelismo.  Por fim, ela conclui que a formação de professores leigos deve estar vinculada à capacidade de elevação dos padrões salariais. Para ela, o descompromisso  político é proporcional à falta de recursos nos municípios; a inocuidade das políticas de formação é, também, uma forma de mascarar essa situação e manter o status quo; a desmistificação do poder clientelista  das área rurais não garante, por si só, a transformação das condições educacionais; e, finalmente, que o problema da permanência de professores leigos no ensino, antes de estatístico ou pedagógico, é um problema político.

Destacam-se, no trabalho de Amaral, alguns pontos que merecem considerações. Apesar da autora elaborar uma análise contextualizada do problema, não se observou uma possível alternativa para superação do determinismo imposto, à questão do professor leigo, pelos fatores históricos dessa realidade.  Outro aspecto mencionado pela autora, diz respeito à crítica ao tempo de diferentes durações dos cursos de formação de professores leigos em um mesmo grau, significando a desigualdade de acesso ao conhecimento e a concepção de que o professor destinado para atendimento às classes menos favorecidas não precisam da mesma formação de outros que atendem alunos mais favorecidos da sociedade.  Entende-se, porém, que a demanda por educação gera pressões sobre os dirigentes, determinando políticas emergenciais para atendimento escolar, tendo em vista a falta de perspectiva de mudança das condições estruturais da sociedade.

Nesse sentido, a gravidade da questão de formação de professores reside em perceber que o  modelo de cursos emergenciais é incorporado às políticas permanentes de educação, quando dever-se-ia desenvolver, ao mesmo tempo, condições de mudança desta realidade a fim de permitir a profissionalização de docentes leigos.  Assim, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação institucionaliza a questão da desigualdade de formação de professores, aventada pela autora, quando estabelece diferentes níveis de formação no curso superior para o magistério. A autora também considera a não participação de secretarias de educação na definição de políticas de formação docente, atribuindo esse fato ao paternalismo e assistencialismo da administração centra.  Sabe-se, entretanto, que o princípio federativo brasileiro impõe aos estados e municípios a adoção das políticas do governo central como única forma de receberem verbas para o financiamento de programas sociais, uma vez que os recursos locais ou do fundo de participação cobrem, apenas, os gastos com pessoal e com a manutenção da máquina administrativa, em conseqüência de práticas do assistencialismo e do empreguismo.  Além disso, são estas verbas transferidas pelo poder central que geram vínculos político-eleitorais, tendo em vista que programas e obras realizados são divulgados por essas administrações nas épocas eleitorais com o propósito de alcançarem resultados positivos.

Amaral caracteriza a prática pedagógica do professor leigo como reprodutora de "esquemas de ensino". Esta leitura limita-se à cultura escolar como modelo legal, indiferente ao significativo contexto cultural no qual se insere a escola e, na maior parte de sua dinâmica, por ele determinado.  Finalmente, quando a autora se refere à inocuidade política dos programas de formação de professores leigos como decorrente da ausência de “vontade política” para superar a estrutura de poder e de barganha” que determinam “as condições sociais e econômicas destes profissionais”(p.41).

Como alternativa de superação dessa prática reprodutiva, Sônia de Vargas(1995), em “Le Processus de Formation Professionnelle des Enseignantes  “Leigas” dans Les Developpement de L’École  Primaire Rural au Brésil, et Plus Particuliement dans L’Etat de Minas Gerais”, teve como objetivo “analisar a formação de professores leigos, enfatizando o processo informal, visando contribuir para a elaboração de uma nova concepção (...) necessária à mudança da escola do meio rural”(p.1/2).

A pesquisa foi realizada durante seis meses entre os anos de 1986/87 em dois municípios da região Norte de Minas Gerais, Janaúba e Jequitaí, envolvendo 19 professoras leigas  As entrevistas e observações realizadas pretendiam analisar a “dinâmica das relações no âmbito escolar e a forma como os professores se apropriam e transmitem o saber escolar e o saber-fazer técnico, absorvidos no decorrer de sua formação”(p.83).  Para compreender os professores leigos como um grupo de práticas semelhantes, a autora utilizou os conceitos de participação periférica legítima(LLP de Jean Lave  e Wenger), o conceito de participação dirigida (GP de Barbara Rogoff) e o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP, de Vigotsky) que “implica uma forma de interação social, mas que não está colocada no contexto mais amplo do mundo social”(p.63). 

Ela aborda a formação de professores leigos quanto aos aspectos formal e informal do currículo as políticas oficiais de formação, a carreira e motivações docentes e as condições de trabalho desses professores.  Ela propõe como hipótese geral que as professoras leigas passam por uma formação profissional que elas adquirem no processo de aprendizagem. Esta formação é, geralmente, incorporada  na relação mestre-aprendiz. A formação das professoras leigas é, portanto,  construída segundo um processo que se inicia no momento de sua escolarização e  que se insere na prática cotidiana da escola rural e de forma contínua na sua prática profissional (p.315).  Com base na hipótese geral, Vargas elenca algumas conclusões a partir das seguintes questões:  Como as professoras leigas cumprem tarefas ligadas ao ensino primário sem terem feito a escola normal?”. “Como elas se apropriam dos conhecimentos específicos das disciplinas dos programas escolares, como das didáticas especiais, ligadas a cada disciplina?

Segundo ela,, “as professoras utilizam processos de observação, de imitação e de repetição, dentre outros, para absorver saberes na relação de aprendizagem que elas têm com seus mestres”(p. 316), maneiras de fazer, construídas na prática. 

 Com base nos conceitos de participação periférica legítima e participação dirigida, ela conclui que na dinâmica de transmissão de saberes as professoras leigas fazem os alunos assumirem tarefas docentes, permitindo ou designando alguns alunos para ensinar os colegas, caracterizando esta prática periférica legítima e, como conseqüência, investindo o aluno de uma certa autoridade que ela chama de  delegação de autoridade.  Neste sentido, ela aponta vários tipos de delegação de autoridade: delegação de autoridade não-explícita quando o aluno toma iniciativa de ensinar outro; delegação de autoridade explícita quando o professor divide suas responsabilidades de mestre com alguns alunos, por meio da designação verbal; delegação de autoridade explícita total, quando o professor se ocupa de outras atividades na âmbito da escola e deixa um aluno substituindo-o.  Isto implica, segundo a autora, no reconhecimento, por parte do professor, de que alguns alunos podem realizar a tarefa de ensinar, explicando assim como se processa a formação de uma professora leiga.  Deste modo,  diz ela, “o saber-fazer escolar, transmitido e adquirido de outras professoras leigas é  reconhecido pelos mestres, pela escola, pelos seus colegas de profissão e pela sua comunidade”(p. 321).

A autora aponta dois tipos de interação no processo de formação desses professores: endógenas e exógenas.  As primeiras, referem-se às interações entre as próprias professoras, nas quais a aquisição de um saber-fazer é incorporado às práticas de reprodução.  As segundas referem-se às interações com outros agentes sociais, “como associação de trabalhadores, a prefeitura, os pais e os professores habilitados”. De Vargas lembra que “a representação que os professores têm de sua formação profissional é muito importante para os que elaboram projetos de capacitação”(p.325/6).  Por fim, a autora propõe duas questões como subsídios para futuras pesquisas. A primeira, analisar as relações existentes entre professoras leigas, tentando explicar  que condições implicam em uma maior organização dessas professoras como representantes de  um conjunto de práticas e quais aquelas condições que, ao contrário, conduzem a sua desagregação".  A Segunda,  é “verificar em quais níveis o processo de sua pesquisa, a partir dos conceitos de participação periférica legítima, participação dirigida e delegação de autoridade podem ser aplicados a micro-projetos de aperfeiçoamento de professoras leigas.

Chama atenção no trabalho de De Vargas o espaço entre a coleta de dados (1986/7) e a conclusão do estudo (1995). Embora apresente consistência teórico-metodológica, há possibilidade de defasagem das análises em relação ao contexto investigado que, provavelmente nesse período sofrera  transformações e as análises poderiam referir-se a fatos cuja incidência não fosse mais a mesma da época pesquisada.  Alguns dados contidos no trabalho são das décadas de setenta e oitenta, defasados em relação ao período de pesquisa (1986/7) e mais ainda em relação a época de conclusão da mesma(1995).  Embora  De Vargas faça uma análise sobre o problema do professor leigo, não se referiu a atividades importantes da prática e da formação docente, como o planejamento e a avaliação.  O planejamento pedagógico constitui-se em um momento de construção e fonte de saberes e um dos instrumentos principais para se compreender o que o professor leigo realiza na sala de aula.

Nos trabalhos aqui apresentados não se observou estudos sobre a construção de saberes pedagógicos na prática de professores leigos rurais cujo tema pretendemos desenvolver neste estudo.  Presume-se que a relevância de analisar e caracterizar a construção e socialização de saberes pedagógicos na prática do professor leigo, se justifique em razão da imperativa necessidade, de um lado, de melhoria da qualidade dos processos de aperfeiçoamento e formação de professores leigos voltados para uma proposta de intervenção crítica na realidade sócio-pedagógica de sala de aula, através da ação-reflexão-ação; e, de outro, da formação e atuação eficiente de professores formadores no desenvolvimento curricular no ensino regular e continuado, a partir da prática pedagógica. 


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2Dentre os vários projetos implantados em nível nacional e estadual, destacam-se  “Pedagógico Parcelado”, na década de setenta, realizado em período de férias quando os professores eram reunidos na capital; “O Projeto Logos I que correspondia a um curso de 1o grau, tendo sido a experiência piloto para o Projeto Logos II, implantado em cinco estados brasileiros com maior quantidade de professores leigos (Paraná, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Rondônia)  em 1976 e em seguida nos demais estados.
São também deste período o “Projeto HAPRONT”(Paraná eAlagoas); o “Projeto Autodidaxia (Piauí e outros estados); “HAPROLM”(1976-80-Projeto de habilitação de professores leigos municipais -Bahia); o “Projeto Mestre-Escola”(via TV-Fundação Roberto Marinho) e o Projeto da  FUNTEVÊ(1983) de qualificação.
Outros Programas Federais (décadas de 70-80) também desenvolveram projetos na área de formação de Professores leigo, dentre os quais, o “EDURURAL”- Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural; o “Pró-Município”- Programa de Coordenação e Assistência Técnica e administrativa aos Municípios; através deste programa foram implantados os OMEs- Órgãos Municipais de Educação) que representava o embrião da futura Secretaria Municipal de Educação; o “PRONASEC”- Programa Nacional de Ações Sócio-educativas e Culturais para o Meio Rural e objetivava a complementação salarial dos professores municipais rurais; o “Polonordeste”- Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste - objetivava dar apoio na área de instalações físicas e equipamentos da escola rural.
O Projeto SACI/EXERN implantado pelo INEP no Rio Grande do Norte para a habilitação de professores leigos do ensino médio, através de metodologia à distância (rádio, satélite, televisão e computador).
O projeto “PRÓ-LEIGOS” implantado no município de Ribeiro do Lago na Bahia em convênio entre a prefeitura e governo do estado para habilitar professores leigos d 1o e 2o graus.
O Projeto “PROCAP”- Programa de Capacitação de Professores, através de treinamento em serviço - implantado no estado de Minas Gerais para formação de noventa mil professores leigos, em nível de ensino médio, para atuarem de 1a à 4a séries do ensino fundamental.  O Projeto de Licenciatura Parcelada Experimental,(década de 70) implantada em Minas Gerais para formação de professores para o ensino médio, bem como o Programa Emergencial (1979-Licenciatura Plena Parcelada) para formação de professores para o ensino fundamental nas área de Letras, Geografia, História e Matemática. O Projeto “CHAMA”(1996) para habilitação de professores leigos das primeiras séries do 1o grau. O Projeto “PRÓ-QUALIDADE” para formação em serviço de dirigentes escolares, via TV .
O programa “ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA” tem assumido, também, em algumas cidades ações de capacitação de professores leigos, principalmente em Minas Gerais e na Bahia.
Por último, em 1999, no Estado do Mato Grosso do Sul, implantou-se o “PROFORMAÇÃO” para habilitação de professores leigo em convênio com Governo do Estado/ MEC/Prefeituras, através de metodologia à distância; outras iniciativas ocorrem  nos demais Estados, dentre outras:
Amapá - (Projetos Aparai-Wayanã e Waiãpi);
Amazonas (Projeto Luz do Saber, executados em navios equipados com salas de aula, parabólica, laboratório de informática, auditório e dormitórios para os capacitadores, percorrendo a malha fluvial da Região);
Rondônia - (Projeto Fenix);
Roraima - (Projeto Caimbé I e II);
Santa Catarina - (Projeto Magister).


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