A
MULHER RURAL PROFESSORA
A
presença majoritária da mulher nas quatro primeiras séries do 1o
grau é uma tendência nacional. A
predominância registrada na área de pesquisa confirma-se também em nível
estadual. A compreensão desse fenômeno se torna cada vez mais possível, à
medida que as análises partem, antes de tudo, da história de sua condição de
mulher rural onde a dinâmica familiar se orienta, ainda, no interior do Piauí,
por fortes traços do sistema patriarcal.
Rodrigues,
(1985), com relação a presença feminina no ensino, aponta o Relatório da
Comissão Nomeada pelo Governador do Piauí em 1922, para estudar medidas
práticas para o Ensino Primário e Normal, cujo conteúdo está contido em "A
Instrução Pública no Piauí - 1922" onde é enfatizado o "despreparo do
professor", a "ausência de espírito profissional e o abandono das
escolas ou por preguiça ou para se entregarem aos misteres do lar" (P.
51). Este mesmo relatório recomenda a contratação de mulheres solteiras
justificando que "devendo ser o magistério um sacerdócio é preciso que a
ele se dediquem por completo e isto não poderá fazer aquela que tem de dividir
os carinhos entre os próprio filhos e os estranhos, cuja guarda lhes é
confiada". Ainda este Relatório, citando o Regulamento Geral da Instrução
Pública do Piauí procura assegurar a exclusividade feminina no ensino primário
tendo em vista a influência da mulher neste nível de ensino.
A
professora leiga rural piauiense faz
parte dessa cultura familiar, regida por valores de obediência, de submissão e
destinada ao papel de execução, principalmente de atividades domésticas, e
quase nunca de participação nas decisões, sejam familiares ou profissionais. A
mulher rural professora é submetida a um processo de exploração no ambiente
familiar, onde, além de ser responsável pelas tarefas domésticas de cuidar dos filhos, da casa, comida, roupa,
animais, ainda desempenha funções auxiliares no serviço de roça. Na escola, a
ela é atribuída uma carga de trabalho
que inclui além das atividades de professora as de faxineira, merendeira,
diretora e ainda é convocada para trabalhos de voluntariado na comunidade. O ensino é, assim, apenas mais uma tarefa a
cumprir.
As
tarefas da zona rural exigem muito esforço físico. O magistério é uma atividade considerada mais
leve. Sendo as tarefas mais “leves” executadas por mulheres e crianças, à
mulher é sempre destinada a tarefa de ensinar. Isso, contribui para reforçar a
presença da figura feminina no magistério rural. A figura do homem como
responsável pelo sustento da família, ainda é um traço cultural marcante na
zona rural, e isso tem servido não só para justificar a presença da mulher no
ensino das séries iniciais do ensino fundamental, já que esse trabalho é de
quase sacerdócio ou de cunho maternal, caracterizado pela não geração de uma
renda socialmente significativa. O
depoimento de um professor é representativo a esse respeito:
"Elas acham que é uma perda eu ganhar só o salário mínimo pra
trabalhar manhã e a tarde...se eu tivesse como pedreiro... é 100 por semana,
enquanto eu passo um mês pra ganhar isso. Elas admiram em mim essa questão de eu aceitar ganhar tão pouco
quando eu deveria ganhar o dobro ou o triplo, trabalhando na minha antiga
profissão de pedreiro". (Prof. Marcos,
município de Lagoa do Piauí).
Isso
reflete, também, na sexualização do trabalho e na divisão de poder, um
preconceito segundo o que o homem deve exercer postos de mando e a mulher,
posições auxiliares, daí decorrendo concepções culturais de papéis a serem
desempenhados, como a questão da autoridade. Isto determina um tipo de educação
diferenciada, na qual a mulher é
iniciada nos rituais de “prendas domésticas” que, nesta cultura, lhe fará um
verdadeira dona-de-casa. Em outro
depoimento, o mesmo professor leigo anterior afirma:
"Os pais, se fosse por eles, todo professor seria homem, na zona
rural, porque eles acham que o homem tem mais condição de desenvolver o assunto
e manter a disciplina. Eles têm essa visão. Inclusive, aqui mesmo, eu já vi
vários pai querendo transferir os filhos de outra escola, distante seis km pra
cá, dizendo que não se dando bem com a professora porque ela não mantém a
disciplina".
Na
prática, a mulher rural professora contribui tanto quanto o homem para o
orçamento familiar, especialmente nos períodos de seca quando o seu salário é a
base do sustento da família. É importante observar um processo de seletividade
familiar no encaminhamento dos filhos para a escola. As famílias têm geralmente
muitos filhos. Os do sexo masculino acompanham o pai desde 5 ou 6 anos,
cumprindo pequenas tarefas. As filhas mais velhas ajudam a mãe nos afazeres
domésticos e cuidam dos irmãos mais novos, mas todos dividem seu tempo entre
escola e trabalho. Os meninos, em
geral, permanecem na escola o suficiente
para aprender a ler, escrever e tirar contas, uma vez que o trabalho de roça e
sua sobrevivência não dependem muito desse nível da atividade escolar. As
meninas, uma parte fica para ajudar nos trabalhos domésticos, outra parte é
enviada para a casa de parentes ou amigos, na cidade, onde, como domésticas,
aliviam os gastos familiares, podem estudar e alcançar melhor escolaridade e,
ao retornar às suas localidades, podem possivelmente, se tornar professoras.
São
estas jovens que formam a maioria da clientela que lota as escolas públicas
noturnas das cidades. Há também pais que alugam ou compram casas na cidade onde
os filhos, e as mulheres vão estudar. Os
homens, em sua maioria, ficam para reproduzir a força de trabalho.
A
busca de maior escolaridade, na cidade, revela a crença das famílias na
educação como fator de mudança das condições de vida e a perspectiva de um
outro trabalho que não seja a roça ou o magistério. A participação da mulher
rural professora nos processos decisórios é muito reduzida, quer na família, no
trabalho ou na comunidade. Dos doze
professores participantes desta pesquisa, apenas quatro são membros de
associações ou movimentos comunitários ou religiosos. Não obstante o pequeno
número, poderia haver um grau significativo de participação se os postos
ocupados possibilitassem maior poder de decisão. Mas eles ocupam também, como
na família e no magistério, tarefas de execução. Embora as mulheres, em geral, tenham mais
escolaridade que os homens, elas sempre ocupam
funções de execução.
A
sexualização do trabalho se reproduz na divisão do poder com reflexo do mesmo
valor cultural em que o homem exerce, quase sempre, funções de mando. Algumas mulheres rurais professoras, quando
participam dessas associações, sempre são indicadas para a função de
secretária, principalmente porque o exercício dessa função se impõe pela
necessidade de saber escrever para elaborar as atas das reuniões e a
professora, na maioria dos casos, é a única que ainda pode desempenhar essa
função. Nas atividades
comunitárias, sua participação
se evidencia em novenas, festas
populares, familiares, religiosas e em campanhas de saúde, nas quais a
organização e execução são de sua responsabilidade, mesmo porque grande parte
dessas atividades é desenvolvida no espaço escolar.
A
carga de trabalho atribuída à mulher rural professora, acrescida das exigências
do controle burocrático da escola e a execução de um ensino através da
aplicação de técnica e conteúdos que ela não domina, revelam o grau de
exploração a que ela é submetida na família, no trabalho e na comunidade. Esse processo cultural, resistente às
mudanças, contribui para o retardamento da profissionalização docente na zona
rural.
A
partir da compreensão deste contexto histórico onde vive e trabalha o professor
leigo tenta-se, no próximo capítulo, desenvolver uma análise do processo de
construção de saberes pedagógicos em sala de aula, os possíveis significados e
sua influência no processo de ensino e aprendizagem.
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