domingo, 22 de fevereiro de 2015

ANÁLISE DO DISCURSO PEDAGÓGICO E PRÁTICAS DOCENTES

José Ribamar Tôrres Rodrigues
Professor universitário
Doutor em Educação pela USP
Estágio em Formação de Professores na França e em Cuba
Ex-Subsecretário Estadual de Educação / PI
Ex-Secretário Municipal de Educação de Teresina-PI
Membro do Conselho Estadual de Educação /PI
Membro do Banco de Avaliadores do MEC/INEP
Coordenador do Fórum Estadual de Educação/PI


Inicialmente, uma primeira preocupação é sentir que há diferentes formas de análises e para diferentes formas de expressão de significados, seja de uma situação social, seja de uma expressão artístico-cultural, seja uma expressão literária. Este curso orienta-se para a análise do discurso pedagógico e da prática docente. A análise do discurso contido num texto busca os significados que vão além das palavras. Assim, não basta a análise lingüística para captar o sentido do discurso contido ali, é preciso captar este sentido na prática social e no contexto social.

O texto “Emílio” traz algumas categorias teóricas e sociais. Para entender o discurso nele contido, como também no discurso e práticas docentes é preciso buscar o sentido do discurso de época, isto é, levar em conta as condições concretas nas quais ele foi gerado. Como categorias teóricas, destacam-se os conceitos de cidadania, homem natural e homem social, formação política, contrato social, moral e ética, liberdade.
Categorias sociais como interação, valores,

Assim, passamos a tecer algumas análises do discurso do texto:

Uma primeira observação refere-se à concepção de ato pedagógico em Rousseau que extrapola o espaço físico da sala de aula, orientado para a formação política do cidadão, tendo como fim o exercício da cidadania. Neste aspecto, a idéia de cidadania nos remete à questão da identidade cultural que por sua vez se inscreve na concepção de Estado como balizador da vida social.

A identidade cultural pressupõe um processo de práticas nas quais se inserem a prática docente e as concepções curriculares.

A idéia de formação do homem natural, em Rousseau, traz o sentido do preceptor como elemento articulador desta formação e cuja prática se caracteriza pela mínima intervenção no processo de aprender a aprender. Neste aspecto, pode-se perceber que a idéia de Rousseau já desenha uma proposta de papel do docente tal qual hoje defendem as concepções modernas (motivador, orientador do processo de desenvolvimento intelectual do indivíduo).

A concepção de cidadania de Rousseau, emergindo da formação política, estabelece uma mediação entre homem e sociedade; homem natural X homem social, tem a superação destas contradições através do contrato social.

Estas idéias têm influências sobre o social em todos os espaços, inclusive na sala de aula na relação professor-aluno e no sentido mais amplo da relação escola-comunidade.

O sentido de individualismo defendido por Rousseau não se direciona para a fragmentação social, mas no sentido de preservar os espaços de diferenças individuais para formar uma vontade coletiva. O que se pode inferir do discurso de Rousseau é que o individualismo torna-se um importante componente social enquanto articulador das diferenças culturais de grupos onde o todo é a somas das partes. Por outro lado, o individualismo enquanto disseminador de status e privilégios sociais, o individualismo atenta contra a vontade coletiva, portanto, contra a democracia e a conquista da cidadania.

Outro aspecto presente no discurso de Rousseau diz respeito à dimensão moral enquanto dimensão social. No entanto este aspecto moral assume diversas direções em diferentes culturas e isto implica em diferentes práticas sociais e profissionais em relação às crenças de cada identidade social.

Aqui se poderiam estabelecer várias relações entre a moral proposta por Rousseau, vinculada a um “contrato social”, ou seja, à vontade coletiva, a moral cristã de certo modo idealista uma vez que desconhece os interesses do indivíduo em função de uma relação harmônica absoluta de uma sociedade de irmãos ou a moral decorrente da relação homem-sociedade implícita em Michel Foucault onde se diz que ao punir o indivíduo, não se quer regenerá-lo, mas recompor a moral coletiva ferida pelo crime do indivíduo. Isto implica nos critérios de prática profissional em relação aos princípios éticos, inseridos na crença do contexto, principalmente institucional. Assim, o aspecto moral baliza as atitudes das relações professor-aluno.

Nesse sentido, percebe-se o pensamento revolucionário de Rousseau quando defende o rompimento do “círculo vicioso” entre homens e instituição. Também este círculo vicioso implica na relação docente-escola onde a acomodação e o servilismo contribuem para o processo mecânico da rotina burocrática de manutenção de poder. O processo político proposto por Rousseau pode ser colocado como mediador deste processo onde a formação crítica do indivíduo rompe com o estabelecido para uma atitude crítico-reflexiva do processo educativo.

A idéia de Rousseau em que defende a educação para a cidadania voltada para a preservação das potencialidades naturais do indivíduo e o afastamento dos males sociais; portanto, enfatizando o desenvolvimento cognitivo do indivíduo o coloca como um dos precursores da pedagogia cognitiva de Maria Montessori e John Dewey (Escola Nova). Poder-se-iam estabelecer outras ligações entre Rousseau e as abordagens de Jean Piaget (epistemologia genética) e Vygotsky (sociolingüística) embora estes dois últimos divirjam metodologicamente. Enquanto Piaget defende que o organismo biológico se forma antes do conhecimento (apriorismo + empirismo), (interação do sujeito com seu meio, isto é, depende das estruturas cognitivas e de sua relação com o objeto); Vygotsky defende que o organismo biológico (estruturas mentais) se forma ao mesmo tempo das experiências vivenciadas pelo indivíduo (interações com o outro e com o meio). Por outro lado, a formação da cidadania incorporando o desenvolvimento das potencialidades naturais do indivíduo estabelece uma relação com o conceito de ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal) de Vygotsky que define a ZDP como a distância entre o conhecimento real e o conhecimento em potencial, isto é entre o conhecimento que se tem e as potencialidades do indivíduo em aprender; o que se poderia vinculá-las às “Estruturas Estruturantes” da categoria “Habitus” de Pierre Bourdieu. Tais estruturas vão dar uma dinâmica dialética ao ato de aprender. Neste aspecto, poderia referir-se aos métodos da prática docente onde ainda prevalecem os processos mecânicos de repetição em detrimento da reflexão e recriação.

Quando Rousseau fala da educação para a formação política e como conseqüência a formação da cidadania parece estar defendendo a educação como promoção da eqüidade em superação à produção da desigualdade social. Neste sentido, pode-se inferir que a educação deve superar a desigualdade social para estabelecer uma desigualdade intelectual necessária para a diversidade biológica e da divisão do trabalho. Assim, a geração de desigualdade intelectual, é decorrente não só das diferenças biológicas (genéticas), mas também do determinismo estrutural das condições sócio-políticas da sociedade, no entanto, é nessa mediação que a educação garante a igualdade política dos indivíduos.

A prática docente está permeada pela crença de que o indivíduo chega à escola como um “homem natural” e isto implicam na ruptura das experiências decorrentes das relações anteriores. Em vez de favorecer a sistematização das estruturas mentais do indivíduo, ela promove a sua substituição. Este discurso pedagógico revela outra conseqüência de certos discursos pedagógicos; a de que cidadania seja adaptação do indivíduo. Neste aspecto, as concepções e execuções curriculares vão se descaracterizando em razão de ideologia da globalização num processo de adaptação e fazendo perder os aspectos da individualidade (tal qual analisa Rousseau). Estas adaptações ocorrem como se as identidades locais não devessem ser preservadas como fator importante para a formação da vontade coletiva, isto é, da identidade cultural de um povo. Tais alterações curriculares direcionadas para o imediato e isentas de uma discussão mais ampla termina por diluir valores e características locais num oceano de pseudo universalidade e enfraquecendo o indivíduo como elemento gerador das multifacetadas relações sociais.

O discurso de Rousseau revela concepção de educação para o desenvolvimento físico, cognitivo, moral e político dos indivíduos sem perder de vista suas identidades culturais. De outro lado, as imposições econômicas, psicológicas, políticas implicam na limitação da liberdade dos indivíduos como fonte de criação e a perda contínua dos valores humanísticos.
A proposta de Rousseau de planejamento da educação para a felicidade poder-se-ia traduzir nas abordagens modernas como ideologia da social democracia com a defesa do “Welfare State” ou Bem-Estar Ssocial.

Por fim e com base nas relações estabelecidas a partir do discurso de Rousseau sobre Educação e Sociedade, (Homem Sociedade), possamos compreender determinantes naturais e sociais que implicam no discurso e nas práticas profissionais, inclusive docentes. Possamos refletir, também, sobre a atualidade das idéias de Rousseau inseridas nas abordagens modernas da teoria e da prática educacional.

Prof. Ribamar Tôrres.


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