Ribamar Tôrres
A proposta de criação deste blog objetiva a abertura de um novo espaço de discussão das políticas públicas de educação e suas relações econômicas, políticas, sociais e culturais. The proposal to create this blog aims to open a new space for discussion of public education policies and their economic, political, social and cultural relations.
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Formação
continuada e Saberes Pedagógicos
José Ribamar
Tôrres Rodrigues
Doutor em
Educação pela USP
Estágio em
Formação de Professores no IUFM de DOUAI/ França
Estágio em
formação de Professores em CUBA
Ex-Membro do
Conselho Estadual de Educação/PI
Membro do
Banco de Avaliadores do MEC/INEP
Para a análise dos eventos pedagógicos, da formação continuada,
realizados pelos cursos de formação e pelo professor em sala de aula, toma-se o conceito deprática, desenvolvida por Pierre
Bourdieu (1983) que a concebe como “produto da relação dialética entre uma
situação e um habitus". A noção
de habitus foi retomada por Bourdieu
da escolástica, corrente filosófica que o concebe como um modus operandi, isto é, disposição estável do indivíduo para operar
em determinada direção.
Para isso, apresentam-se como base para este estudo, as seguintes
questões:
Como os cursos de formação continuada de
professores estão influenciando para o aperfeiçoamento do trabalho pedagógico
em sala de aula?
Que conteúdos do currículo de formação
continuada estão ajudando o professor no processo de ensino e aprendizagem?
Como o professor transpõe os saberes
construídos no processo de formação continuada para a sala de aula?
Quais as principais fontes e características
dos saberes de formação continuada e da experiência aplicados em sala de aula?
Quais as implicações destes saberes e na
aprendizagemdos alunos?
Como o professor constrói a indexação de
conteúdos no processo de formação continuada e no trabalho pedagógico?
Para a conceituação de saber,
partiu-se das considerações de ClermontGauthier (1997). Este autor entende que
saber é umconjunto de conteúdos, habilidades e valores que os professores
mobilizam no processo de ensino e aprendizagem, constituindo-se de três
dimensões: a representação, o julgamento e a argumentação.
Assim, com base em
Maurice Tardif & Gauthier (1991) e, também, em Pierre Bourdieu
(1983), elabora-se a ideia de que saberes
pedagógicos são habitus,
(conteúdos, habilidades e valores) construídos e/ou incorporados pelos
professores ao longo da vivência familiar, estudantil e docente, da atividade
de informação e formação, da prática quotidiana e aplicados na transformação e
transmissão de saberes socialmente determinados para serem ensinados na escola.
Com esta concepção de saberes pedagógicos, pretende-se superar uma visão
instrumental e uma separação entre saberes e métodos comumente presente nos
meios acadêmicos. Assim, os saberes pedagógicos fazem parte dos saberes da
experiênciae os saberes didáticos fazem parte dos saberes pedagógicos.
Desse modo, os sabres pedagógicos se definem não pela sua natureza, mas
pela função que assumem no espaço escolar. Os saberes pedagógicos
manifestam-se, também, segundo Gauthier, como “dicas” ou “truques” que o
professor utilizapara intervenção em situações práticas que exigem controle.
Estes saberes secaracterizam por surgirem de situações específicas do processo
ensino e aprendizagem, sendo por elas legitimados e dando suporte à competência
docente.
Este estudo tem comosuposições básicas as ideias de que a prática
pedagógica, do professorleigo rural e as formas como ele elabora e socializa o
saber pedagógico, reflexos da prática social e das condições em que se dãoao
mesmo tempo em que surgem delas, favorecem tanto a reprodução da vida social,
política e produtiva do lugar como sua superação. Além do mais, o pouco preparo
do professor leigo parasistematizar
sua prática pedagógica, se reflete na sua dificuldade de compreendê-la e
modificá-la. Este fator, aliado à desinformação e ao isolamento geográfico e
social constituem elementos que determinam sua dificuldade de transpor
conhecimentos teóricos das disciplinas, determinados pelas propostas
curriculares, para sua prática pedagógica, caracterizada por traços
prescritivos e normativos os quais estão contidos em leise regimentos que
controlam o funcionamento escolar e o trabalho docente.
Por outro lado, presume-se que o professor
constrói seu saber, empiricamente, a partir da experiência quotidiana com
base no processo de oralidade e das tradições culturais sociais e escolares.
Isso pode ser identificado na prática curricular, seja através dos instrumentos
formais (livros, meios de comunicação, planejamentos, cursos, treinamentos),
seja pela experiência assimilada da prática de seus antigos professores, também
leigos, seja na troca de experiência
com os colegas. Entretanto, tais fatores podem constituir-se, ao mesmo tempo,
em fontes parao processo de construção de novos saberes pedagógicos.
Na obra de Bourdieu, analisada por Renato Ortiz (1893, p. 8), são
evidenciadas três premissas epistemológicas, quais sejam, o conhecimento
praxeológico, o conceito de campo e a noção de habitus. Interessa, nesta pesquisa, a abordagem quefaz Bourdieu sobre
a noção de habitus como mediação
entre o agente social e a sociedade ou nas palavras de Ortiz, entre o
objetivismo e a fenomenologia.
Para estudar um conjunto de saberes, habilidade e valores da estrutura da
prática pedagógica e da prática de formação do professor o conceito de habitus, enquanto conceito geral parece
não ser o suficiente bastante para desvendar as “tramas” das relações
particulares de habitus construídos
na dinâmica das interações e representações do cotidiano escolar,caracterizados
pelo estilo pessoal que Bourdieu chama de “desvio codificado em relação ao
estilo de uma época, uma classe ou um grupo social” ou “variante estrutural do habitus”. Tentando-se compreender estes habitus particulares da prática
pedagógica do professor, agrega-se, aqui, a noção de habitus pedagógico (in BelmiraBueno).Autobiografias e formação de professores. São Paulo, USP,
p.29,1996. Desse modo, o habitus é
particular e genérico por estar em toda atividade humana e em todo homem e o habitus pedagógico e o habitus de formação
são, também, particulares e genéricos por estar em toda atividade educativa,
especialmente na formação de professores e na atividade pedagógica de cada
professor. Assim, considerando-se a sala de aula com um locus de relações de força, os habitus
pedagógicos e de formação são heterogêneos, em escala e sentido, assumindo
funções e significados heterogêneos neste espaço de luta (escola versus
cotidiano) para fazer prevalecer um modo de fazer. O habitus, no sentido empregado por Bourdieu, parece não poder ser,
simplesmente, transplantado para a situação das práticas do cotidiano escolar
como se fosse possível aplicá-lo a todos os eventos que ali ocorrem e como se
todos se dessem em nível genérico, sem que particularidades específicas
estivessem na natureza destas práticas docentes.
Isso implica que, o
professor, no processo de formação e como profissional, internaliza o genérico
do quotidiano social para exteriorizá-lopelo particular do cotidianode classe e
vice-versa. Talvez, se possa concluir
disso que o habitus das relações
particulares de classe, tambémcontido no habitus
genérico do social mais amplo, cunhe no professor leigo uma identidade tendente
a determinar a constituição de habitus
pedagógicos e de formação ulteriores.
O cotidiano tem como
principal característica a espontaneidade embora “nem toda a atividade
cotidiana seja espontânea”, (Heller, 1987, p.300). Isso quer dizer que ele não
é de todo imprevisível. Nas suas relações, emboraos sujeitos partam de certas
regras e posições sociais e institucionais, de tempo e espaço, previamente
determinados, contrapõem-se a elas através de saberes, habilidades e valores,
inseridos nas suas representações para a construção de novas relações que vão
atender a expectativas pessoais, institucionais e sociais que antes de
imprevisíveis são contraditórias, mas como mecanismo de defesa só deixam revelarem-se
os resultados que assegurem o funcionamento coletivo que os legitimacomo grupo
e como instituição.
Nesse sentido, Chizzotti (1992) defende que
É preciso (...) investigar
osrituais rotineiros que estão cristalizados na vida diária, esse movimento
mecânico das ações que acabam constituindo o dia-a-dia, porque é neles que
vamos encontrar a racionalidade subjacente da vida cotidiana das pessoas.
Aquilo que se considera banal, inútil, desnecessário, rotineiro, absurdo (...)
são esses atos triviais e banais que servem de base para fazer uma descrição
elaborada do que as pessoas precisam, falam e compreendem (...) outro viés é
considerar o cotidiano como campo residual da vida. (...) Se o cotidiano fica
proscrito da vida ou considerado como rescaldo dela, fica também desterrado de
todos os atos deliberados da vida e de toda a impossibilidade de impregnarmos
de uma vontade consciente esses atos. E os sujeitos que são vistos nesse
cotidiano estão no meio pobre, onde, como atores sociais, se tornam invisíveis
e suas práticas inconsequentes “(p. 89-95)”.
O cotidiano das práticas pedagógicas e de formação de professores revela
uma característica multicultural e multidisciplinar, ocupando espaços e tempos
de ensino e aprendizagem diferentes dos espaços e tempos medidos e
cronometrados pelo sistema oficial que em oposição ao cotidiano onde a lógica
do tempo da aprendizagem e da ação docente tem uma dinâmica própria. Neste aspecto, Lefebvre (1961), diz que há
tempo social e tempos sociais distintos dos tempos biológicos, psicológicos,
físicos e um espaço social diferente do espaço geométrico, físico e biológico e
do espaço quotidiano que apresenta quatro dimensões distintas daquelas
definidas por matemáticos e físicos: o tempo realizado, o previsto, o incerto e
o imprevisível.
Maurice Tardif, Claude
Lessard e Louise Lahaye (1991), consideram que a prática docente integra diferentes
saberes: os saberes das disciplinas (materiais escolares e conteúdos), os
saberes curriculares (programas das disciplinas), os saberes
profissionais(ciências da educação e pedagogia), ossaberes da experiência ou
saberes práticos (constituídos ou absorvidos na ação quotidiana), e os saberes
culturais (cultura geral de cada docente), lembrando que nas sociedades
pré-modernas as tarefas de produção e transmissão do saber se integravam em um
só sujeito. No entanto, com o desenvolvimento do capitalismo há uma separação
cada vez maior entre a produção de saberes e aformação nos saberes. Como
consequência, dizem eles que
"se os
cientistas são valorizados em sua atividade de produção de conhecimento, os docentes são, progressivamente,
subvalorizados em sua tarefa de ensino. Concebem-se os docentes como técnicos e
executores aos quais competem dominar os saberes e as técnicas para sua
transmissão" (p.217-18).
Entende-se pertinente esta crítica visto que traz à tona a ideia de saber
plural no qual o professor não pode ser reduzido à tarefa de execução. Na sua
prática, ele adita aos saberes que lhes são impostos, a suaexperiência,
construindo, portanto, um novo saber embora na maioria das vezesnão se dê conta
disso.
O surgimento das ciências educativas,segundo esses mesmos
autores, leva para esta atividade, a fundamentação da pedagogia moderna,
especialmente dos saberes psicológicos e psicopedagógicos, os quais produzem um
saber cada vez mais especializado e técnico; por outro lado,o centro do ensino
se desloca do professor para o aluno como resultado do surgimento das
diferentes tendências pedagógicas, como a Escola Nova, já que não se trata de
aprender conteúdos, mas de aprender a
aprender.


1 Comentários:
A realidade do Brasil está fortemente atrelada à má qualidade da educação,onde os professores infelizmente são desvalorizados em todos os sentidos. Não há investimento significativo à altura como merecem esses profissionais. Sem dúvida, meu grande mestre, é preciso que os professores se reciclem, se atualizem e se sintam motivados a ensinar mais e aprender sempre.A modernidade não espera...a velocidade da tecnologia é cruel. ...quase inalcançável. Tristemente neste País não dão a devida importância a isso.O professor deveria ser o mais bem remunerado pois é ele que forma o médico, o advogado. ..Parabéns pelo artigo e pelo profissional exemplar que eres. Sei da tua luta constante. Orgulho de ti!
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial