Educação, Cidadania & Discurso Político-Eleitoral
Ribamar Tôrres(*)
Época de eleições. A sociedade assiste atônita a uma
cadeia de catástrofes que historicamente se repetem. Um verdadeiro campeonato
de ideologias. Todas elas maquiadas por um discurso de mudança como se esta
mudança fizesse parte de suas práticas sócio-políticas. São ideologias
disseminadas por discursos otimistas, pessimistas, obsessivos, utópicos que
refletem a multiplicidade das relações culturais, tão híbridas e contraditórias
quanto as relações sociais e assim constróem dogmas, rótulos, estereótipos
aceitos e socializados como revolucionários ou reacionários. A fidelidade "canina" tão
valorizada e estimulada no interior das relações ideológicas simula uma pseudo
homogeneidade de diferenças inconciliáveis e uma ameaça à construção
democrática. Aqui, ideologia e fé se confundem e têm seus reflexos negativos na
educação política da população. Cabe aos eleitores ou fiéis não questionarem os
dogmas ou seja, as regras que sustentam
e conservam a imagem de pseudos líderes e pseudos compromissos de uma
polipatologia de representação do imaginário cultural. As relações legais
republicanas se transformam numa prática monárquica onde as chamadas
"lideranças" se reproduzem não
pelas idéias novas ou pela contribuição à sociedade, mas pelos interesses
familiares, sufocando identidades emergentes com força social, sem força
orgânica, mas úteis. É comum, a cada eleição, vários membros de uma mesma
família, beneficiando-se de prestígio de um parente, apresentarem-se como
preparados para representar a sociedade através de um mandato eletivo e
independente de ideologias, as oligarquias vão se reproduzindo em todos os
partidos políticos como forma de perpetuação no poder. Na busca de poder cada
vez mais, muitos, na metade se seus mandatos, já se candidatam a cargos mais
elevados e os compromissos assumidos com a população para um mandato anterior
são simplesmente ignorados ou esquecidos. A debilidade programática dos
partidos parece, também, ter origem na conduta
coletiva de seus agentes. Partidos que nem sempre lançam candidatos a
cargos majoritários e quase sempre preferem gravitar em torno do poder, apesar
de choques ideológicos, em coligações que tem como único objetivo tirar
proveitos, avalizando desmandos político-administrativos. Algumas vezes não
oficializam coligações e ficando
omissos, apoiam informalmente coligações com o mesmo propósito. O discurso de
combate as essas práticas políticas é traído pela busca de poder. Daí emerge
uma grande contradição nos discursos revolucionários os quais negam os métodos
políticos do sistema vigente ao mesmo tempo que o utilizam para alcançarem os
mesmos fins. Tudo isso contribui para o esvaziamento partidário e o
fortalecimento do personalismo político, criando no imaginário popular a idéia
de que a solução dos problemas é tarefa de iluminados, mitos, mágicos e não da
força de sua organização como resultado da educação e da construção da
cidadania ativa.
Nos últimos trinta anos os momentos eleitorais são
marcados por discursos repetitivos abordando os mesmos problemas para os quais
o orçamento nacional destina vultosos recursos financeiros, mas estranhamente
sem conseguir a solução dos mesmos. O conteúdo dos discursos contemplam
principalmente saúde, educação, segurança, habitação, desemprego, dentre
outros. O que tem chamado atenção nos discursos partidários da propaganda
eleitoral é a falta de uma visão de um projeto a médio e longo prazos para a
sociedade. São propostas desconectadas, muitas vezes, do ideário partidário do
qual o candidato faz parte, desconectadas das condições de viabilidade frente a
um contexto histórico desfavorável.
_________________________________________
(*)Ex-Professor de Sociologia da Educação da UFPI
Doutor em Educação da USP.
Membro do Conselho Estadual de Educaçlão
Membro do Banco Nacional de Avaliadores do MEC.
Os discursos
do programa eleitoral revelam uma confusão conceitual como exemplo dos
termos "elite", "classe
dominante" e desconhecimento até das funções legislativa e executiva bem
como, das noções de constituição de políticas públicas em suas missões,
objetivos, políticas, estratégias, programas e projetos; para isso, basta
observar as propostas dos candidatos. Estes, geralmente ao falarem de
"elite"e "classe dominante" se colocam fora dela embora
todos participem delas, apenas em graus diferentes. O eleitor é visto como
necessitado e não como um cidadão com direitos e poder, daí o tom
predominantemente assistencialista onde
o eleitor é um carente. A Educação continua o carro- chefe para justificar o
atraso e as expectativas de mudança. Este jogo discursivo onde se atribui à
educação a solução dos problemas sociais só revela o descompromisso com a construção
da cidadania e de uma sociedade verdadeiramente democrática porque fica difícil
medir mudança efetiva em relação à pobreza, violência desemprego, desigualdade,
só concretizada por dados estatísticos que, apenas, aparentam uma solução dos
problemas, camuflando uma realidade que não é geral, coletiva. Não basta
escolarizar ou profissionalizar. É preciso alargar o conceito de educação além
dos conteúdos das disciplinas e
desenvolver uma educação ético-política, através da compreensão e vivência dos
valores democráticos da honestidade, solidariedade, tolerância, liberdade,
respeito, etc, de que tanto necessitam o homem e o profissional, principalmente
para reconstruir a sociedade atual em plena crise de valores, especialmente
ético-morais, sejam nas condutas de dirigentes, sejam na conduta popular. Tais
valores aparecem no discurso político, muitas vezes, como propostas de campanha
num grande equívoco quando deveriam ser pré-condições básicas, (si ne qua non) para quem pretende representar a
sociedade. Programas ou propostas de
tiket de leite , refeição, cesta básica, melhoria residencial, bolsa-escola,
doação de terra, remédio, fossa sanitária e outros similares só podem ser
aceitos numa visão de cidadania se em situação emergencial e não se tornarem
políticas públicas permanentes como ocorre nas três últimas décadas. Estas
políticas públicas assistencialistas não só reproduzem uma situação de pobreza
como a agrava, anulando a ação de conquista da cidadania. Para Norberto
Bobbio(1992), a educação é "...o único modo de fazer com que um
súdito transforme-se em cidadão". ou no sentido de Gramsci, ser capaz de
dirigir e controlar quem dirige. Maria Vitória Beneviedes(1991) afirma no livro
"Cidadania Ativa" que "...a eleição não é suficiente para
exprimir a vontade popular..." e propõe a democracia semidireta para o
exercício da cidadania, através do plebiscito, o referendum e a iniciativa popular.
Nesse sentido, o processo eleitoral e a eleição, em si, podem legitimar
práticas autoritárias uma vez que o simples processo democrático não garante
uma prática democrática. Norberto Bobbio (1992) alerta, ainda, que "...a apatia política dos cidadãos
compromete o futuro da democracia...". Esta apatia é atribuída, muitas
vezes, ao crescente número de votos em branco, nulos e abstenções, significando
para muitos que o povo não sabe votar, mas, ao contrário, pode ser um forte
indicador de expressão popular do saber votar. De um lado a prescrição legal de
concessão de direitos ao cidadão (políticos, civis e sociais) e, na prática, a
luta do cidadão pelo "direito a ter direito" e, de outro, a concessão
de privilégios a alguns poucos. Como pode um Estado democrático, ao mesmo
tempo, garantir privilégios e reconhecer direitos? A educação, em si, não
promove a igualdade, magicamente, mas pela mudança que pode operar no cidadão,
concretiza-se na sua participação social, econômica e política.
De outro lado, os discursos
políticos da propaganda eleitoral apresentam, via de regra, uma linguagem
personalística com características panfletárias, pessimistas, utópicas,
ingênuas, autoritárias, dentre outras. Ora, só o cidadão, através da
participação pelo voto democrático pode mudar legitimamente a sua representação
política e não cabe a grupos reivindicar outros mecanismos que não pelo
sufrágio universal ou legal porque assim é pregar uma ditadura às avessas.
O voto em um momento eleitoral nunca deve se
transformar numa arma, mas num mecanismo para favorecer ao cidadão espaço para a
reflexão, a analise e a tomada de decisões livre porque como disse Kant,
a liberdade é o único direito inato, mas fundamental por ser a condição de
aquisição de todos os outros direitos. Por fim, só a Educação ético-política
incorporada à educação científica pode reascender uma chama de esperança de uma
nova cidadania e de um novo contrato social.
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