domingo, 28 de junho de 2015

Gestão democrática na Educação: Quem se atreve?
Prof. Ribamar Tôrres
Doutor em Educação pela USP
Mestre em Currículo pela PUC São Paulo
Membro do Banco de Avaliadores do MEC
Coordenador do Fórum Estadual de Educação

RESUMO
Este artigo objetiva refletir, de forma exploratória, sobre o processo de democratização da escola, no que se refere à escolha de gestores escolares, contextualizando aspectos históricos, legais, sociais.
ABSTRACT
This article aims to reflect, so exploratory, about the process of democratization of the school with respect to choice of school managers, contextualizing historical, legal, social aspects.
RÉSUMÉ
Cet article vise à tenir compte, donc exploratoire, sur le processus de démocratisation de l'école en ce qui concerne le choix des gestionnaires de l'école, mise en contexte des aspects historiques, juridiques, sociales.
RESUMEN
Este artículo pretende reflejar, tan exploratorio, sobre el proceso de democratización de la escuela con respecto a la elección de directores de escuela, contextualizar los aspectos históricos, jurídicos, sociales.

A redemocratização do país, pós regime militar, abriu espaços para que a sociedade civil expressasse a vontade da maioria, gerando uma série de movimentos e manifestações chamados populares e um discurso circulante de um ideário, aparentemente, democrático em meio a vícios crônicos da cultura dos privilégios sobre os direitos, disseminados e praticados pelas frações dominantes no país, aliadas a frações da classe média e da classe trabalhadora.
Foi neste clima de democratismo que se tomou como panaceia para mudança a eleição indiscriminada para todos os postos, especialmente no setor público. A escola como não poderia deixar de ser foi tomada de assalto por grupos partidários para impor uma ideologia de mudança que menos servia a interesses sociais e mais a interesses partidários e de grupos de interesse.
Criou-se um sistema de eleições diretas para diretor escolar, com formação de chapas, via de regra, vinculadas à ideologia partidária cujo processo nascia eivado de vícios da eleição civil, registrando-se infinitos casos de troca de favores por voto, transporte de professores para eleição, material de propaganda patrocinado por partidos políticos ou representantes políticos, empresários, comerciantes e interessados. O que menos importava era o plano de trabalho que após eleição era guardado na estante e a aplicação de recursos de manutenção da escola, em algumas situações, era feita para benefícios de alguns apoiadores da campanha eleitoral escolar.
Da mesma forma, surgiram os Projetos políticos-pedagógico e os Conselhos Escolares na doce inocência de que eles pudessem provocar a participação e equilibrar as relações de poder nas escolas cujos dirigentes, até então, eram indicados por critérios político-partidários em detrimento da competência, do compromisso e da legitimidade social.
Mesmo com o processo eleitoral escolar, criaram-se critérios para burlar o processo adotado como democrático para eleger diretores somente de algumas escolas, sendo que grande parte delas continuaram a ser indicados pelo representante político ou por influência deste.
E o que dizer dos Conselhos Escolares que tinham como objetivo a gestão compartilhada, com função deliberativa e consultiva? Foram esvaziados enquanto espaço democrático, uma vez que a escolha de representantes dos vários segmentos da comunidade escolar era realizada, em seus segmentos, por processos viciados pelos critérios subjetivos e partidários e de interesses individuais do gestor. Assim, se abre, caminho para um processo de cooptação que desvirtua o processo de participação, a ética de atuação destes representantes, favorece a conivência com os desvios de funções administrativas e impossibilita o avanço das práticas gestores escolares, voltadas para a qualidade do ensino, participação da comunidade e a criação de uma cultura forjada na lei e no direito contra os privilégios que manipulam consciências e pisoteiam as esperanças de mudança.
Os Projetos Políticos-Pedagógicos que deveriam se constituir em mecanismos de uma gestão compartilhada do pensamento da comunidade escolar, referenciado pela legislação vigente, seja na atividade administrativa, seja na atividade educativa ou na atividade social, transformam-se em meras peças cartoriais nunca executados, mas sempre apontados ou mostrados como fruto da construção coletiva da escola que nem mesmo os segmentos escolares os conhecem.
É preciso ressaltar que o processo de escolha democrática, o Projeto político-pedagógico e conselhos escolares são fatores indispensáveis para uma gestão compartilhada, ética, comprometida com as demandas sociais e com a formação da cidadania.  O que se observa, no entanto, é a total desarticulação entre o discurso e a prática democráticos. Isso ocorre por muitos fatores, dentre eles, a ausência ou a renúncia de uma compreensão crítica da comunidade escolar, mergulhada numa pseudo democracia e numa violência simbólica e velada contra aqueles que se atrevem a questionar estes processos de manipulação para perpetuação do poder. Outro fator decorrente é a ausência de clima para se construir uma cultura da gestão compartilhada na instituição escolar.
Em todos os níveis, institucional, gerencial e operacional ocorre uma miopia gestora quanto ao cumprimento das normas vigentes uma vez que tal cumprimento atingiria interesses de relações pessoais, grupais e ideológico-partidários. São milhares de professores com desvio de funções e muitos sem exercerem as funções para as quais foram cedidos, colocados à disposição e recebendo seu salário ou ficam fora da sala de aula sem qualquer documento de liberação e pagam um colega que não pertence ao quadro para dar aulas em seu lugar. Esta é o que chamo de miopia gestora que ignora as ilegalidades gritantes da atividade escolar.
Com a Constituição de 1988, no inciso VI do Art. 206, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394/1996, inciso VIII do Art. 3º e, mais recentemente, com a Lei 13005/2014, inciso VI do Art. 1º, que aprovou o Plano Nacional de Educação, reafirmaram-se os princípios democráticos da Educação, dentre outros, o da gestão democrática escolar.

 O supremo Tribunal Federal pleno julgou Ações Diretas de inconstitucionalidade - ADI de vários Estados brasileiros e Tribunais e justiça de vários Estados, a partir de 1998, dentre eles, o do Piauí, decretaram a inconstitucionalidade e a nulidade da Eleição de Diretores Escolares e anularam os artigos de Constituições Estaduais e Municipais, arguindo os Arts.  37, inciso II; ARt. 61, parágrafo 1º e Art. 84,  incisos II e XXV da Constituição Federal de 1988.
O Supremo Tribunal Federal aponta que para atender o Art. 206 da Constituição Federal de 1988 que prevê a “gestão democrática do ensino público na forma da lei” dizem os ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, “[...] permite ao legislador ordinário experimentar formas de participação da comunidade escolar na escolha da direção dos estabelecimentos (fls. 68/9)...]” e continuam os ministros acima citados, “[...] viável a adoção doutros instrumentos que, de todo capazes de promover a “gestão democrática do ensino público [...]”.
Manifestaram-se, também, pela procedência da inconstitucionalidade a Advocacia Geral da União e o Procurador-Geral da República, fundamentados nos mesmos argumentos legais acima discutidos.
Desse modo, o Ministro Octaviano Gallotti se manifestou em julgamento de ADI nº 490, anulando o Art. 199 da Constituição do Estado do Amazonas: “Não se confunde a qualificação de democrática da gestão do ensino público (Art. 206, VI da Constituição) com modalidade de investidura que há de coadunar-se com o princípio da livre escolha dos cargos em comissão do Executivo pelo Chefe desse Poder (Art. 37, II, in fine e 84, II e XXV, ambos da República)”.
Seguindo os argumentos anteriores relatados, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí – Tribunal Pleno – em sessão de 16/09/2010, declarou completa inconstitucionalidade da Eleição de Diretores de Escolas Públicas no julgamento de ADIs de municípios, referenciado pelos Art. 54 da constituição Estadual.
Diz o Ar. 54, inciso II:
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvada as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; • Redação dada pela EC Estadual nº 10, de 17.12.1999. • O texto original dispunha: • II - investidura em cargo ou emprego público mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei como de livre nomeação e exoneração. • Constituição Federal, art. 37, II, com redação dada pela EC Federal nº 19, de 04.06.1998.


Como se pode ver, a declaração de inconstitucionalidade da eleição de diretores escolares não exclui outras formas de escolha mais consentâneos às características do processo educativo. Com isso, a escolha de gestores escolares desvincula-se do processo partidário e abre perspectivas para uma gestão compartilhada, fundada em critérios acadêmico-pedagógicos e sociais sem ferir frontalmente a Carta Federal.
Com base nessa perspectiva, o Município de Teresina, na gestão reconhecida do Prefeito Elmano Férrer, encaminhou, em 2010, à Câmara Municipal de Teresina uma proposta de processo de escolha de gestores, vice-gestores ou gestores adjuntos e secretários escolares que fundava perspectivas de avanços na gestão democrática e participativa. Vale ressaltar que até este período, apenas, 40% das escolas tinham processo de eleições de diretores. A grande maioria continuava pelo processo de indicação partidária ou de influência de agentes públicos.
Nesta perspectiva, se estabelecia mecanismos de caráter profissional, acadêmico, pedagógicos e sociais, adotando-se um percentual de peso para votação de cada segmento para se garantir o processo educativo em superação ao clientelismo e conivência com vícios de ordem idiossincráticos. A proposta extinguia o critério de indicação e propunha o processo de escolha para cem por cento (100%) das escolas municipais de Teresina, independente do tamanho da escola ou do nível de ensino.
As abordagens de gestão democrática assumem diversos significados desde os mais espontaneístas que não levam em consideração o campo específico das ciências da educação ao democratismo que se utilizando deste processo para a prática do autoritarismo, para práticas anti-mudança, para a manipulação, para a perpetuação das posições de mando e para legitimar um pseudo discurso democrático que serve ao processo de exclusão de cidadãos e compromete o desenvolvimento escolar e da qualidade do ensino.
Assim, a escola se vê indefinida quando se superpõe modelos organizacionais onde se observa a superposição de poderes sem poder algum e sem efetividade alguma, gerando conflitos e alienação no sentido de Karl Marx, transformando seus profissionais em simples repetidores de saber e tornando-os ignorantes do processo educativo como totalidade da formação de cidadãos e cidadãs.
Não é raro se ouvir falar de num tal núcleo gestor da escola onde entram diretor, secretário, pedagogo ou supervisor. Justaposto a este modelo temos os conselhos escolares que teriam função deliberativa, consultiva e de monitoração da execução da proposta pedagógica que também seria função do pedagogo ou supervisor pedagógico. No entanto, a escola continua sendo administrada por um gestor legitimado como chefe do poder no espaço escolar, sem que os demais espaços de poder formal tenham qualquer participação nas decisões, a não ser de referendar as decisões monocráticas como forma de subserviência determinada pelo processo de escolha e cooptação da gestão.
É preciso que os dirigentes do sistema educacional entendam que apenas parte do processo educativo pode ser planejada e que grande parte surge do conjunto de relações de caráter endógeno e exógeno à atividade escolar, mas decorrente dela.
Assim, as ações que se realizam na escola e as propostas do projeto político-pedagógico bem como as referências legais, em sua grande maioria, nunca se articulam em função da responsabilidade social da escola, da qualidade do ensino e da preparação do indivíduo para uma cidadania ativa.
Defendo a abordagem da gestão compartilhada e em regime de colaboração entre diferentes níveis de governo onde desapareça a figura do gestor, escolas sem gestores monocráticos e as escolas sejam geridas por comissões paritárias dos vários segmentos da comunidade escolar e social que atuam no contexto local onde elas existem.
Há de se entender que tais processos são excluídos pelos critérios adotados pelos sistemas de ensino porque eles minam o poder tradicional e colocam em xeque sua legitimidade. Mesmo porque a cultura do socialismo, da inclusão, da participação, da decisão coletiva ainda não faz parte da nossa cultura institucional. Vivemos, ainda, sob a égide de valores monárquicos absolutistas contra os valores republicanos que os discursos circulantes apregoam. Isto revela que o modelo democrático está minado pelos modelos ultrapassados de gestão que não tem como preocupação dar respostas às demandas sociais.
É evidente que é preciso construir uma nova abordagem de gestão escolar baseada em critérios de domínio de conhecimentos administrativos, legais, econômico-financeiros e pedagógicos das ciências da educação, na avaliação das habilidades de liderança, sociais, cognitivas e na trajetória profissional do futuro gestor. Neste sentido, vale dizer que as atividades de gestão seja uma classe dentro dos planos de carreira, iniciando-se como professor em seus vários níveis, pedagogo ou supervisor pedagógico e membro da equipe de gestão escolar. Assim, a escola seria gerida por um único Conselho gestor ou conselho escolar onde seus membros anualmente se revezariam na função de liderar o processo escolar no tempo de quatro anos.
A grande dificuldade é se entender que o projeto de escola e não do gestor o que favorece a continuidade do processo escolar sem fragmentação e sem interrupções que comprometem a profissionalização, os resultados da aprendizagem dos alunos e da transformação da escola no centro cultural da comunidade.
Para a nossa reflexão, os Planos de Educação ainda não refletem avanços para surgimento de uma nova cultura no sentido que lhe atribui Gramsci que não se trata de coisa inédita, mas da tomada de consciência de que eu descobri por mim mesmo uma verdade, ainda que ela seja velha.

Dito isto, vem a grande questão. Quem se atreve?

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